Poder Legislativo

Movimentos populares se articulam para alterar MPs de Bolsonaro no Congresso

Quilombolas criticam titulação de terras em mãos do Ministério da Agricultura e pedem retorno da função para o Incra

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Cerca de 2 mil comunidades que têm processo de regularização fundiária em aberto no Incra podem ser prejudicadas pela MP 870
Cerca de 2 mil comunidades que têm processo de regularização fundiária em aberto no Incra podem ser prejudicadas pela MP 870 - Agência Brasil

Representantes de comunidades quilombolas têm se articulado junto a parlamentares do Congresso Nacional para tentar alterar trechos da Medida Provisória (MP) 870, editada por Jair Bolsonaro (PSL) após a posse presidencial.

Ao reformular a estrutura administrativa do Poder Executivo federal e reduzir de 29 para 22 o número total de ministérios, a MP também realizou uma redistribuição de competências que atingiu interesses sociais e populares.

Uma delas diz respeito à titulação de terras quilombolas, que era de competência do Incra – vinculado, durante o governo de Michel Temer (MDB), à Casa Civil – e agora fica a cargo do Ministério da Agricultura (Mapa), tradicionalmente operado sob a influência da bancada ruralista.

Os quilombolas questionam a retirada da competência do Incra, destacando que o processo de regularização fundiária dessas comunidades inclui responsabilidades que fogem do escopo do Mapa, como é o caso das questões socioculturais e antropológicas.

Por conta disso, a Confederação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) se articula para pressionar os parlamentares a aprovarem uma emenda que devolva essa competência para o Incra. No vocabulário legislativo, as emendas são os meios pelos quais os deputados e senadores propõem alterações no texto das medidas em tramitação.  

A socióloga Givânia Silva, integrante da coordenação nacional da Conaq, afirma que o receio das comunidades é que haja um definitivo sufocamento da política de titulações, que vive um processo de desaceleração desde os últimos anos.

Ela destaca que a mudança para o Mapa poderá comprometer ainda mais a situação das cerca de 2 mil comunidades que têm processo de regularização aberto junto ao Incra. A dirigente acrescenta que a interrupção da política afetaria o cumprimento do artigo 68 da Constituição Federal, que obriga o Estado brasileiro a reconhecer os territórios remanescentes de quilombos e titular definitivamente as comunidades.

Como as MPs só podem ser alteradas via emendas, os quilombolas tentam essa via de resistência num cenário legislativo dominado por parlamentares ruralistas.

“Estamos diante de um parlamento bastante complexo, senão muito difícil, mas nós iremos continuar no debate e pressionando pra que eles compreendam que, ao sumir com essa estrutura ou colocar ela de qualquer jeito [no Mapa], o que se está fazendo não é outra coisa senão negando a Constituição”, afirma Givânia Silva.

Consea

Outra mudança trazida pela MP 870 que já é alvo de articulações entre parlamentares e segmentos populares para apresentação de emenda diz respeito à extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).  

Composto por representantes da sociedade civil e do poder público, o órgão exercia o controle social na formulação e na avaliação de políticas públicas relacionadas ao tema, sendo vinculado à Presidência da República.

Agora, atores envolvidos no assunto tentam reativá-lo e defendem que ele seja alocado no Ministério da Cidadania.

“É a brecha que a gente encontrou na própria medida provisória, que diz que o gestor da política nacional de segurança alimentar e nutricional agora é o Ministério da Cidadania, mas o mais importante, neste momento, é conseguir a volta do Consea. Com a extinção dele, o sistema ficou todo desestruturado”, destaca a ex-secretária-executiva do órgão, Marília Leão, acrescentando que o Consea dava as diretrizes para conselhos locais e regionais que atuam dentro da mesma pauta de segurança alimentar.

A extinção do órgão vem sendo alvo de críticas desde o início do ano e será pauta de uma mobilização popular nacional agendada para o próximo dia 27.

Para o deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador do Núcleo Agrário do Partido dos Trabalhadores e um dos interlocutores do campo popular dentro do Poder Legislativo, a alteração da MP 870 exige um diálogo amplo, que alcance diferentes setores.

“Acredito que, se a gente fizer um trabalho articulado entre os parlamentares do bloco de oposição no Congresso e as entidades do campo e demais movimentos sociais, é possível sensibilizar outros setores da sociedade pra serem parceiros e, assim, conseguirmos influenciar outros parlamentares pra gente derrotar o governo nessa iniciativa”.

Outras MPs

Além da MP 870, o Congresso Nacional tem, neste começo do ano legislativo, uma fila de mais 21 medidas provisórias aguardando análise. Dessas, 20 são do governo de Michel Temer (MDB) e uma do governo Bolsonaro, a MP 871, que é considerada uma introdução para a reforma da Previdência e atinge trabalhadores rurais.

Entre as demais, estão, por exemplo, as MPs 855 e 856, que dizem respeito à privatização de empresas ligadas à Eletrobras; a MP 863, que permite até 100% de capital estrangeiro em companhias aéreas brasileiras; e a MP 864, que autoriza a União a transferir um montante de R$ 225,7 milhões para Roraima, para que o dinheiro seja aplicado na intervenção federal que vigora no estado desde dezembro do ano passado.

Edição: Mauro Ramos