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Completando 110 anos de sua morte, obra de Euclides da Cunha ganha novo fôlego

Autor de Os Sertões, clássico da literatura nacional, será homenageado na Flip deste ano

Cento e dez anos depois de sua morte, em agosto de 1909, Euclides da Cunha segue como um dos expoentes da literatura nacional. Nascido em Cantagalo, no Rio de Janeiro, em 1866, o escritor e jornalista volta aos holofotes para ter sua obra debatida entre leitores e estudiosos.

Para além da efeméride que marca o falecimento, a escolha de Euclides da Cunha como homenageado da Flip (Feira Internacional Literária de Paraty), neste ano, também surge como sinônimo de novos olhares sobra a trajetória do autor.

Euclides da Cunha viveu a infância entre o Rio de Janeiro e a Bahia. Perdeu a mãe aos três anos de idade e, desde então, peregrinou na casa de tios e avós que o acolheram.

Militar e republicano, o escritor foi expulso do Exército em 1888, por não concordar com o sistema monárquico que regia o Brasil em finais do século 19.

É nesse período que o carioca decide viver em São Paulo e passa a colaborar com o jornal A Província, que viria a ser O Estado de São Paulo no futuro.

Com a Proclamação da República, em 1889, é realocado no Exército, matricula-se na Escola Superior de Guerra e passa a escrever para a Gazeta de Notícias, no Rio de Janeiro.

Em 1896, fora do Exército e trabalhando como engenheiro em São Paulo, Euclides da Cunha é convidado pelo O Estado de São Paulo para escrever sobre a Guerra de Canudos, em um primeiro artigo intitulado "A nossa Vendeia. Pouco tempo depois, ele seria enviado pelo jornal para cobrir o conflito, que se arrastaria até 1897.

Resistência contra a República e os altos impostos praticados, a vila de Canudos, liderada pelo líder religioso Antônio Conselheiro, reunia cerca de vinte mil habitantes no sertão nordestino.

A Guerra colocava em lados opostos pobres e grandes fazendeiros, amparados pelo Exército e a Igreja local.

Lançado em 1902, cinco anos após o término da Guerra de Canudos, Os Sertões é um registro histórico do Brasil pós monarquista e com uma república recém iniciada.

Professor de literatura brasileira na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Antônio Marcos Sanseveriano destaca a importância literária de Os Sertões.

"Ele traz com uma força crítica o sertão que, para a literatura, não estava presente no José de Alencar, em Sertanejo, ou em romances regionalistas anteriores. Eram bons, mas sem o que Euclides apresenta. Depois, seu livro ecoa em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Morte e Vida Severina, do João Cabra de Melo Neto", explica.

Ao longo do livro, o estranhamento com a realidade do sertão e uma vida forjada na capital do Brasil tornam o relato ambivalente. Se por um lado Euclides da Cunha diz que “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, também diz que Canudos é reflexo do atraso.

O professor Antônio Marcos comenta a dualidade e a dificuldade do autor em entender o Nordeste de então.

"Ele começa um dos capítulos dizendo que o sertanejo é forte. Mas, em seguida, descreve-o como "desengonçado, gracioso e torto". Tem o preconceito cientificista do Euclides que vem à tona, mas de uma configuração que ficou isolada do litoral. A figura do sertanejo, 300 anos isolado, como ele diz, traz essa ambivalência. Ele descreve como "uma figura monstruosa e ao mesmo tempo forte. Aparentemente preguiçosa, mas quando age tem uma capacidade de resistência que é surpreendente". Por um lado, há uma desqualificação com a questão religiosa, mas também há marcas positivas, que geram esse desconcerto do livro", reflete.

Em entrevista recente, a curadora da FLIP, Fernanda Diamant, afirmou que trazer Euclides da Cunha e OS Sertões à tona nos faz discutir temas como conflitos sociais, regimes políticos e formação do país.

Além de Os Sertões, Euclides da Cunha também publicou Contrastes e Confrontos, em 1906, Peru Versus Bolívia, em 1907, Castro Alves e o Seu Tempo, em 1908, e A Margem da História, publicado em setembro de 1909, um mês após sua morte.

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