O Supremo Tribunal Federal (STF) vota nesta quinta-feira (14) o julgamento de duas ações que pedem a criminalização da homofobia. As ações foram promovidas pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), apontando que o Congresso foi omisso ao não legislar sobre o tema, o que teria violado inciso do artigo 5º da Constituição que afirma que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.
Os autores dos pedidos foram ao Supremo para que a Corte dê um prazo ao Congresso para editar norma sobre o tema e para que, neste prazo, a homofobia seja considerada como parte do crime de racismo, tendo como base um julgamento sobre anti-semitismo que considerou raça como “grupo humano”.
As ações começaram a ser julgadas nesta quarta (13), mas a sessão foi suspensa e a votação, adiada em um dia.
Diferenças
A possibilidade de criminalização da homofobia dividiu opiniões. Entre juristas e especialistas do tema, há consenso que a violência contra a população LGBT, em todas as suas dimensões, deve ser enfrentada. As divergências apareceram em relação à melhor forma para se fazer isso e quanto à legitimidade de cada instituição para fazê-lo.
Leonardo Nogueira, professor de Serviço Social na Universidade Federal de Juiz de Fora e militante do Levante Popular da Juventude, lembra que o país apresenta índices alarmantes de violência e perseguição a LGBTs, e que a omissão do Congresso, longe de ter gerado um vácuo legislativo, legitimou condutas contra a população, principalmente por conta da retórica do bancada fundamentalista religiosa.
“No ano de 2018, foram assassinados no Brasil 420 pessoas LGBT. Se o Estado assumisse isso, veríamos que a gravidade é maior. O mais alarmante ainda é o crescimento dos últimos dois anos, que foi muito superior aos anos anteriores. de 2017 para 2018, o crescimento foi de quase 30%. Não tem como não associar o aumento da violência com o contexto de golpe a partir da deposição da presidenta Dilma Rousseff”, diz.
A ideia de que condutas homofóbicas podem ser entendidas juridicamente como hipótese de racismo, argumento dos pedidos, é explicada pelo defensor de direitos humanos Leonardo Santana.
"Ela [a ação] pede a equiparação de condutas homofóbicas ao racismo com base em um entendimento do próprio Supremo de que a acepção do racismo não estaria mais baseado na questão da raça, mas na ideia de superioridade de um grupo sobre outro. Se a ideia de racismo é essa, a homofobia seria uma das possibilidades. E a Constituição determina a criminalização do racismo", sintetiza.
Luciana Boiteux, professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concorda com a urgência do tema, mas considera que a mera criminalização não resolverá o problema. Ela compara as leis contra o racismo, focadas no direito penal, e a Lei Maria da Penha, que incluiu também medidas de proteção e preventivas contra a violência contra a mulher. Segunda ela, as primeiras tiveram pouco sucesso, ao passo que as segundas tiveram mais eficiência.
“O recurso meramente simbólico à punição é o que é critico, pois traz a pauta da criminalização como primordial na luta. Deveríamos estar debatendo uma lei de proteção à população LGBT, que poderia até envolver algum tipo de crime”, afirma.
Além da tônica no direito criminal, Boiteux vê com preocupação a escolha pela via judicial feita para se debater o tema. Em sua perspectiva, uma decisão favorável ao pedido pode abrir um precedente de ampliação da definição de crimes que no futuro se volte contra os próprios setores progressistas.
“Viola um princípio básico do direito penal que é o da legalidade, além da divisão de poderes. O princípio da legalidade determina que cabe ao Legislativo prever crimes, e não ao Supremo. Imagina uma criminalização do terrorismo que futuramente resolvesse ampliar [o conceito], sob a fundamentação de que a Constituição criaria obrigação de punir o terrorismo, incluindo grupos contestatários como MST e MTST dentro do rol de organizações terroristas”, defende.
Julian Rodrigues, militante de direitos humanos e do movimento LGBTI, afirma que a criminalização da homofobia não exclui a defesa de outras medidas normativas. Em relação à questão judicial, explica que, mesmo “tendo ressalvas”, mais do que uma escolha, se tratou da única opção viável, que já gerou direitos como o casamento homoafetivo e o reconhecimento da identidade de gênero.
“Passamos mais de uma década discutindo esse tema no Congresso Nacional. Foi a única opção que deu resultados objetivos. Preferiria que a gente votasse no Legislativo e ganhasse. Não é o papel prioritário do STF reconhecer esses direitos, mas no Brasil concreto, temos essa pauta bloqueada no cenário do legislativo”, aponta.
Edição: Mauro Ramos