Em comunicado público nesta sexta-feira (15), o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) denunciou o impedimento, pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de cumprir sua função de realização de vistoria a locais de privação de liberdade no Ceará.
Segundo o documento, “desde o início do mês de janeiro de 2019, o mecanismo vem recebendo e acompanhando denúncias graves de situações referentes a maus tratos, tratamentos degradantes, desumanos, cruéis e tortura dentro do Sistema Prisional, do Sistema Socioeducativo e durante Audiências de Custódia do Estado do Ceará”.
A partir destas denúncias, o órgão passou a levantar informações e traçou um “cenário de grave violação de direitos e de fortes indícios de situações de tortura”. Por isso, solicitou uma visita ao estado, para apuração. No entanto, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, não teria autorizado a viagem por "falta de justificativa plausível".
:: Entenda o que levou o Ceará a mais uma crise na segurança pública ::
“Este Mecanismo foi informado, em reunião presencial, que o Ministério não autorizaria nenhum custeio de visita ao Estado do Ceará se não fosse interesse do Governo Federal, posicionando-se frontalmente à Legislação vigente e desrespeitando os preceitos Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura internacionais ratificados pelo próprio Estado Brasileiro de autonomia e independência deste Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Situação nunca antes ocorrida em aproximadamente quatro anos de existência deste Órgão”.
O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) repudiou o que entende ser uma “gravíssima denúncia feita pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura”.
Em nota, o MNDH, “por seu compromisso histórico na luta contra a tortura, vem a público para repudiar com veemência estas ações do governo federal. Não cabe ao Ministério determinar o que é de interesse que seja feito pelo Mecanismo e nem mesmo pelo Comitê. Ambos têm mandato orientado por Atos Internacionais ratificados pelo Brasil (Convenção Contra a Tortura promulgada pelo Decreto nº 40/1991 e o Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes promulgado pelo Decreto nº 6.085/2007) e por legislação específica (neste particular pelo artigo 12 da Lei Federal nº 12.847/2013)”.
O MNDH também solicitou que o Ministério Público Federal (MPF) promova uma "ação cabível" para o caso, a fim de garantir a restauração da ordem jurídica.
A Pastoral Carcerária reproduziu o texto publicado pelo MNPCT e se somou aos protestos contra o impedimento da vistoria.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para entender por que a viagem não foi autorizada. A assessoria da pasta respondeu por meio de nota:
"O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos esclarece que, ao contrário do que foi divulgado em comunicado, não houve negativa desta Pasta quanto a viagem a ser realizada pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate À Tortura, mas um pedido de readequação de datas. Ocorre que a Portaria/MDH nº 298/2018, em seu Art. 7º, estabelece que “para viagens nacionais, as solicitações de autorização de viagem deverão ser protocoladas com, pelo menos, quinze dias de antecedência da data inicial do deslocamento”. A medida visa garantir maior economicidade aos cofres públicos na aquisição de passagens aéreas que, como de conhecimento geral, tornam-se mais caras conforme aproxima-se a data da viagem. Entretanto, membros do Mecanismo solicitaram a autorização em 4 de fevereiro deste ano. Portanto, fora do prazo. E não demonstraram, por meio de documentos, que haveria urgência no atendimento ou mesmo apresentaram as supostas “denúncias” que alegam terem recebido e que demonstrariam risco eminente caso os prazos não fossem respeitados. Vale ressaltar que as diárias para viagens aos finais de semana costumam ser mais caras. O custo total da viagem para os quatro integrantes da comitiva, segundo o próprio requerimento protocolado por eles, entre diárias e passagens, ficaria em torno de R$ 10,5 mil".
O que é o MNPCT
O órgão foi instituído pela Lei federal nº 12.847/2013, durante o governo Dilma Rousseff (PT), é composto por 11 especialistas independentes (peritos), que buscam acesso às instalações de privação de liberdade -- como centros de detenção, estabelecimento penal, hospital psiquiátrico, abrigo de pessoa idosa, instituição socioeducativa ou centro militar de detenção disciplinar. Constatadas violações, os peritos elaboraram relatórios com recomendações às demais autoridades competentes, que poderão usá-los para adotar as devidas providências.
O sistema conta ainda com um Comitê Nacional de Combate à Tortura, composto por 23 membros, escolhidos e designados pela Presidenta da República, dos quais 11 são representantes de órgãos do Poder Executivo federal e 12 de conselhos de classes profissionais e de organizações da sociedade civil.
Edição: Tayguara Ribeiro