Diretores de escolas municipais de Porto Alegre receberam nesta segunda-feira (25) um e-mail enviado por um endereço que seria do Ministério da Educação pedindo para que, no primeiro dia de retorno às aulas — o Ensino Fundamental da rede municipal retorna as atividades em março -, alunos, professores e funcionários sejam perfilados diante da bandeira do Brasil para a execução do hino nacional e que, posteriormente, seja lida uma carta que seria assinada pelo ministro Ricardo Vélez Rodríguez encerrada com os dizeres “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, slogan de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PSL). O e-mail pede ainda que um representante da escola filme a atividade e envie em um arquivo com os dados da escola para endereços de e-mail pertencentes à Presidência da República e ao MEC.
A reportagem confirmou com diversas fontes que diretores de escolas receberam o e-mail. A Associação dos Trabalhadores em Educação (Atempa) de Porto Alegre também confirma que o diretores receberam a mensagem. Procurada, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) afirma que não tem relação com o fato e que ainda está tomando conhecimento da situação. A reportagem procurou a assessoria de comunicação do MEC na tarde desta segunda-feira, que informou que não tinha conhecimento do envio deste e-mail, e ainda aguarda confirmação se de fato ele partiu do ministério ou se partiu de um endereço não oficial. O e-mail foi encaminhado nominalmente para diretores das escolas pelo endereço [email protected].
Às 18h07, o MEC publicou uma nota em seu site confirmando o envio do e-mail para escolas do País e em que classifica a mensagem como um “pedido de cumprimento voluntário”. “A atividade faz parte da política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais”, diz a nota, que não explicita para qual fim serão utilizados os vídeos.
“Prezados Diretores, pedimos que, no primeiro da volta às aulas, seja lida a carta que segue em anexo nesta mensagem, de autoria do Ministro da Educação, Professor Ricardo Vélez Rodríguez, para professores, alunos e demais funcionários da escola, com todos perfilados diante da bandeira do Brasil (se houver) e que seja executado o hino nacional. Solicita-se, por último, que um representante da escola filme (pode ser com celular) trechos curtos da leitura da carta e da execução do hino nacional. E que, em seguida, envie o arquivo de vídeo (em tamanho menor do que 25 MB) com os dados na escola (nome, cidade, número de alunos, de professores e de funcionários) para o seguintes endereços eletrônicos: [email protected] e [email protected]”, diz a mensagem do e-mail.
Já a carta diz: “Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”
Coordenadora-geral da Atempa, Sinthia Mayer diz que a entidade, que representa os profissionais de educação do município de Porto Alegre, confirmou que a maior parte das direções de escolas de Porto Alegre receberam a mensagem nesta segunda. Segundo ela, a se confirmar que o e-mail é de fato originado pelo MEC, seria a primeira vez que ela tem notícia de uma recomendação direta do ministério para as escolas municipais com orientações para a realização de atividades no primeiro dia de ano letivo. “O nome disso é assédio. As escolas são laicas e, além do mais, isso é praticamente um slogan de campanha eleitoral”, diz.
Sinthia afirma que o departamento jurídico da Atempa já está avaliando como proceder diante da orientação. “As escolas estão meio que ironizando, mas dificilmente isso vai ser adotado na rede municipal. De qualquer forma, a gente identifica um conjunto de irregularidades nesse e-mail. Primeiro, porque ele carrega uma declaração que não é da natureza do espaço pedagógico, que é a saudação a algum tipo de deus. Essa saudação é por si só irregular. Segundo, essa orientação saiu do gabinete do ministro e foi direto para a direção das escolas. Estamos estupefatos e surpresos com esse tipo de proposta enviada pelo MEC”, afirma.
O Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) também reagiu ao e-mail encaminhado aos professores. “Trata-se de uma proposta absurda colocada pelo MEC, que tenta impor a sua ideologia religiosa e política a todas as escolas, utilizando um slogan conhecido de campanha. Lembrando que na Constituição está garantida a laicidade da educação, o que a carta e o pedido feito às escolas desrespeita. Também a democracia é desrespeitada no momento que tu impõe um texto específico para ser lido e doutrinar as pessoas”, afirma Jonas Tarcísio Reis, diretor do sindicato.
Sinthia e Jonas destacam ainda que as escolas já realizam, durante o ano letivo, atividades em que o hino nacional é executado, mas que não são realizadas desta forma.
A rede municipal de Porto Alegre recebe, principalmente, alunos do Ensino Fundamental. Em razão de greves realizadas em 2018, as aulas só começarão a retornar em março.
Edição: Sul21