"[Um] homem de visão e estadista, que sabia perfeitamente que seu país, Paraguai, só poderia prosseguir, progredir, se tivesse energia (...) Então aqui, a minha homenagem ao general Alfredo Stroessner". Foi assim que o presidente Jair Bolsonaro se referiu a Alfredo Stroessner, ditador que comandou o Paraguai entre 1954 e 1989, durante cerimônia de posse do novo diretor-geral da Itaipu Binacional, usina elétrica feita em parceria entre os dois países, nesta terça-feira (26).
O ex-capitão reformado do Exército também não poupou elogios aos ditadores brasileiros Marechal Castello Branco -- que disse ter sido eleito em 1964 --, Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo, a quem se referiu como “querido e saudoso”.
Enquanto Bolsonaro louvava o ditador, o mandatário paraguaio Mario Abdo Benítez, cujo pai trabalhou com Stroessner, “se limitou a observar com atenção” as observações do presidente, segundo anotou o ABC Color, jornal de maior circulação no país vizinho.
Quem foi Stroessner?
O silêncio e a cautela de Abdo Benítez se justificam: o impacto duradouro de Stroessner não pode ser minimizado no país. Stroessner foi parte ativa na Revolução do Pynandi (pés descalços em guarani), uma guerra civil em 1947 que é considerada um massacre à classe trabalhadora paraguaia.
Em 1954, ele ascende ao poder através de um golpe de Estado, derrotando Federico Chaves, de seu próprio partido, o Colorado, e é eleito presidente em uma eleição indireta sem oposição.
Ao ser eleito, o general suprime garantias constitucionais e começa um período de dura repressão contra opositores e controle de partidos político não-alinhados com seu governo. Internamente, reprime correntes opositoras dentro do Partido Colorado, que governou o país ininterruptamente de 1887 até 2008, quando foi eleito Fernando Lugo, que posteriormente sofreria um impeachment. O atual presidente paraguaio também pertence ao Partido Colorado.
O regime de Stroessner, marcadamente anticomunista e pró-EUA, fez com que o Paraguai se tornasse um terreno fértil para a corrupção e a repartição de favores. Ao todo, governou por oito legislaturas, em processos marcados pela fraude. Em 1967, Stroessner fez uma constituição que permitia apenas uma reeleição para presidente, que foi modificada em 1977 para permitir sua reeleição indefinidamente.
Stroessner, filho de um imigrante alemão, também foi conivente com refugiados nazistas. Eduard Roschmann, conhecido como o açougueiro de Riga, responsável pela morte de 30 mil judeus na Letônia, e Josef Mengele, médico nazista, receberam acolhida e cidadania do general.
Ao todo, estima-se que entre 3 e 4 mil pessoas tenham sido assassinadas em seu governo por conta da perseguição política, marcada pelo emprego da tortura, sequestro e assassinatos políticos. O número de presos por motivos de perseguição política passa de 150 mil. De acordo com relatório de 2008 da Comissão de Verdade e Justiça paraguaia foram 18.772 torturados e 3.470 exilados. Além disso, segundo Coordenadora de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy), 236 crianças e adolescentes foram presas, 17 nasceram na prisão e houve 459 desaparecidos.
Em 1992, são descobertos os Arquivos do Terror, uma série de documentos e memorandos internos que mostram como Stroessner colaborou com as ditaduras do continente e participou da Operação Condor, um acordo militar articulado pelos EUA e levado adiante por Brasil, Chile, Equador, Bolívia e Uruguai, que visava perseguir opositores às ditaduras.
Como uma das heranças de Stroessner, o Paraguai rivaliza com o Brasil como país com a mais alta desigualdade de distribuição de terra. Exilado no Brasil, Stroessner morreu tranquilamente em 2006 e está enterrado no Cemitério Campo da Esperança, em Brasília (DF).
Organizações como a Codehupy continuam denunciando a impunidade dos crimes cometidos sob a ditadura de Alfredo Stroessner.
Edição: Mauro Ramos