Dos 2,5 milhões de professores que atuam na educação no Brasil, 2,1 milhões são mulheres e fazem parte da maioria de 85% de profissionais que trabalham dando aula nos três níveis da chamada Educação Básica (infantil, com alunos de até cinco anos de idade; fundamental, com alunos de 6 a 14 anos; e médio, com alunos de 15 a 17 anos), segundo o censo do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
A Reforma da Previdência, apresentada na PEC 6/19 pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia Paulo Guedes, ignora as peculiaridades, o cotidiano e o desgaste da profissão ao estabelecer regras que obrigam as professoras a continuarem dando aulas, em muitos casos, depois dos 70 anos de idade para conseguir um valor razoável de aposentadoria.
A justificativa do governo é a aproximação das regras de concessão dos benefícios do setor público e privado para acabar com a desigualdade e privilégios.
“A gente podia ir para uma situação em que diversas categorias tivessem diferenças na aposentadoria. Ou seja, o mais igual é tratar as categorias de forma desigual, ou seja, professores, trabalhadoras domésticas, da construção civil, alguns empregos pesados poderiam ter diferenciações na aposentadoria. O que a gente tá vendo no governo não é isso. É tratar todo mundo de forma igual ainda que tenham trabalhos penosos, que exigem esforços e perda da capacidade laboral e mental”, disse a economista Juliane Furno.
No caso dos professores, e principalmente das professoras, a legislação sempre levou em conta a compensação das diferenças.
“Isso [o desgaste] justificava a aposentadoria especial porque grande parte dos professores se afastam da sala de aula por problemas de saúde mental, porque além de ser um trabalho que é muito desvalorizado é muito extenuante. Isso impacta muito fortemente as mulheres, pois representam a maioria da categoria dos professores. Ou seja, as diferenciações que o conjunto das mulheres tinham vão se extinguindo nessa proposta de reforma, em nome de uma suposta igualdade entre homens e mulheres no trabalho que não existe. A Previdência é a única política pública que reconhece que existem diferenças entre homens e mulheres e que as mulheres trabalham mais que os homens”, disse Furno.
A regra imposta pelo governo determina que o tempo mínimo de contribuição das professoras aumente de 25 anos para 30 anos o tempo de contribuição. Além disso, para dar entrada na aposentadoria, as professoras deverão ter mais de 60 anos de idade. O problema se agrava ainda mais porque o valor previsto, neste caso, é de 80% da média do cálculo do benefício. Para o valor integral da aposentadoria, o tempo de contribuição sobe para 40 anos.
A professora Regiane Beltran Fernandez, de 44 anos, da rede municipal de São Paulo, começou a trabalhar em 2010. Pela regra atual, ela poderia se aposentar em 17 anos, com 61 anos de idade e valor integral de aposentadoria. No entanto, com as mudanças da PEC, a professora Regiane só irá se aposentar aos 76 anos, em 2051.
“Para garantir o valor integral das médias salariais, os profissionais teriam que trabalhar mais dez anos. Ou seja, com uma idade igual ou superior a 70 anos. No meu caso, por exemplo, seria aos 76 anos de idade. Imagine essa professora em uma sala de aula com 40 crianças. Nem precisa entender muito das particularidades da profissão para entender que é uma proposta irreal. É evidente que quem escreveu uma proposta dessa não entende nada de educação, nunca acompanhou a rotina de um professor ou professora e nem conhece a realidade escolar”, disse Regiane.
Onde trabalha, uma professora que está em dois períodos é responsável pelo acompanhamento escolar de 500 alunos. “Isso requer corrigir provas, trabalhos que, geralmente, ocorrem fora do horário de trabalho. O professor é constantemente cobrado pelo rendimento, pelas avaliações externas. Sem contrapartidas que garantem a qualidade da aula, estou falando de materiais básicos para o professor trabalhar. O professor lida, no seu dia-a-dia, com situações de extrema vulnerabilidade social às quais essas crianças estão submetidas”, disse Regiane.
De acordo estudos apontados pela Apeoesp (Associação dos Professores do Estados de São Paulo), a atividade na área de educação tem relação com uma série de doenças que causam afastamento do trabalho. Uma pesquisa feita em Salvador, entre 2001 e 2002, revelou que 15,3% dos afastamentos foram por causa de transtornos psíquicos, 12,2% por problemas no aparelho respiratório e 11,5% por lesões no sistema osteomuscular.
Para a Apeoesp, a proposta é um ataque brutal aos direitos das professoras. A Pnad (Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar), de 2014, revelou que as mulheres trabalham 5,4 anos a mais do que os homens, considerando o trabalho doméstico, em um período de 30 anos.
Escola particular
A proposta do governo de extrema-direita de Bolsonaro também é mais pesada para as professoras que dão aula em escolas particulares. Para essa categoria, a proposta cria a idade mínima para homens e mulheres. O tempo mínimo de contribuição para homens continua igual, porém, o das mulheres subiu cinco anos.
"Pela nova regra, tanto homens como mulheres terão que cumprir 30 anos de contribuição e ter 60 anos de idade", disse a economista Ana Luíza Matos de Oliveira, doutoranda em desenvolvimento socioeconômico.
Segundo Maciel Silva Nascimento, secretário de política para os trabalhadores da Educação do Sindsep (Sindicato dos Servidores do Município de São Paulo), a reforma é a PEC da Morte. “A proposta é muito dura e fere de morte segmentos fundamentais para mover e dar vida ao país, que são as mulheres, os idosos e os servidores. Esses são os que mais serão afetados”, disse.
A PEC 06/19 precisa ser aprovada no Câmara dos Deputados e também no Senado para virar lei. Pela regra atual, o professor precisa ter 30 anos de contribuição e 55 anos de idade, para se aposentar com 100% da média salarial. Para as professoras, a regra exige 25 anos de contribuição e 50 anos de idade, também com direito ao valor integral da aposentadoria.
Essa matéria faz parte do especial Março das Mulheres, produzido pelo Brasil de Fato.
Edição: Mauro Ramos