Apesar da intensa cobertura midiática internacional, o envio de comboios de "ajuda humanitária" para a Venezuela, partindo principalmente da Colômbia, se mostrou um fracasso do ponto de vista político. Com a tentativa frustrada, encabeçada por Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino do país, a opção por uma ação militar direta que envolvesse países vizinhos, ao menos neste momento, se colocou de forma mais distante. Essa é a avaliação de especialistas em política internacional ouvidos pelo Brasil de Fato.
Pedro Henrique de Moraes Cicero, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia, aponta que o objetivo final da ação – “deserção de militares que apoiam [Nicolás] Maduro” – simplesmente não ocorreu.
"Guaidó saiu enfraquecido do episódio. Essa construção se deu para criar um fato político na Venezuela e, através desse fato, suscitar um levante das forças de oposição a Maduro no sentido de romper com a institucionalidade”, afirma o pesquisador, considerando que a situação ainda é “de difícil resolução”.
Lucas Ribeiro Mesquita, professor de relações internacionais e coordenador do Instituto Mercosul de Estudos Avançados da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), concorda que a ação “falhou” na obtenção da “desestabilização interna, principalmente entre os militares”, ressaltando também que o cenário permanece “imprevisível”. O périplo de Guaidó por países latino-americanos, nesse sentido, foi uma saída que repetiu, de certa forma, processos anteriores empreendidos pela oposição venezuelana.
"Depois que ele começa a fazer essa saída, fazendo toda essa movimentação na fronteira, dentro do discurso de 'ajuda humanitária', é interessante o movimento que ele faz pela América Latina, que é muito próximo a um movimento que [Henrique] Capriles fez há uns dois anos. Um movimento de ir aos países aliados para tentar fazer uma mobilização”, diz.
Mesquita aponta que a posição do Grupo de Lima, com grande influência dos militares brasileiros por meio do vice-presidente Hamilton Mourão, bem como a articulação de um “Grupo de Montevidéu”, enfraquecem a possibilidade de uma ação militar direta na Venezuela.
Marina Machado Gouvea, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considera os últimos eventos uma “grande vitória” política do governo Maduro, mas não descarta que um enfrentamento bélico direto possa se viabilizar no futuro. Em sua interpretação, a Venezuela é vítima de uma guerra promovida pelos EUA há quase duas décadas.
"O caráter atual dessa guerra é de uma guerra híbrida. Híbrida justamente porque não descarta a convencional. A guerra híbrida seria uma junção, tendo sido o modelo de guerra mais comum nos últimos anos. Uma junção da guerra de quarta geração, ligada à desinformação, com a guerra convencional”, diz.
A primeira etapa das guerras híbridas, explica Gouvea, se trava por meio da comunicação e desinformação, tentando promover mobilizações sob a aparência de espontaneidade e incentivando o surgimento de uma liderança que possa se propor como governo paralelo e alternativo. Caso essa fase não seja bem sucedida, a guerra tradicional se coloca.
Para tanto, é necessário continuar com as iniciativas de provocação que possam legitimar uma intervenção direta. Dentro disso, a iniciativa de Guaidó de retornar à Venezuela –, sob o risco de ser detido para prestar esclarecimentos à Justiça por ter desacatado ordem de não sair do país – pode ser entendida como a continuidade dessas medidas.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque