Com um enredo fazendo alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Paraíso do Tuiuti foi a quinta escola a entrar no Sambódromo da Sapucaí na madrugada desta terça-feira (5), no segundo dia de desfiles do Carnaval do Rio de Janeiro. Com o tema intitulado “O Salvador da Pátria”, a vice-campeã de 2018 apresentou diversas referências ao líder petista.
A agremiação de São Cristóvão escolheu não tratar do assunto de forma direta. Para isso, usou a história verídica do Bode Ioiô, que nos anos 1920 chegou a ser eleito vereador em Fortaleza, mas não assumiu.
O paralelo com o ex-presidente é feito pelas coincidências nas trajetórias: carismático e amado pelo povo (assim como Lula), Ioiô perambulava pelas ruas da capital cearense. Em 1922, quando o voto era feito em pedaços de papel e por escrito, Ioiô ganhou uma vaga para a Câmara de Vereadores, mas foi impedido pela elite cearense e teve sua eleição impugnada, algo semelhante ao que aconteceu no ano passado com o líder petista, impedido de concorrer a Presidência da República, justamente quando estava muito a frente dos outros candidatos e era franco favorito a vencer a disputa, possivelmente, no primeiro turno.
Uma das estrofes do samba cantado pela escola traz uma das passagens mais marcantes da trajetória de Lula, quando ele deixou o sertão nordestino em busca de melhores condições de vida. “Do nada, um bode vindo lá do interior, destino pobre, nordestino sonhador, vazou da fome, retirante ao Deus dará, soprou as chamas do dragão do mar”.
Em outro trecho, a Tuiuti lembra que em um dos momentos da história em que o Brasil foi mais próspero o país estava nas mãos de um sindicalista, sem curso superior e com origem popular. “Ora, meu patrão, vida de gado, desse povo tão marcado, não precisa de dotô, quando clareou o resultado, tava o bode ali sentado, aclamado o vencedor”.
Na comissão de frente, a Tuiuti trouxe o tema “Vendeu-se o Brasil”, mostrando políticos com aparência vampiresca, com dinheiro saindo dos bolsos e fazendo promessas ao povo em cima de um palanque. Durante a performance, os bailarinos caracterizados como políticos “pisam” no povo brasileiro. Em meio a apresentação surge o Bode, eleito pelo povo. Os políticos, então, impugnam a eleição (o político vampiresco toma a faixa presidencial para si). Uma curiosidade é que os bailarinos que representam os políticos são mais altos que os bailarinos que representam o povo, mostrando a soberba com a qual a população, especialmente a mais humilde, é tratada pela elite brasileira.
Na ala “A farra” A Paraíso da Tuiuti tratou sobre o coronelismo que existe em alguns locais do Brasil. Na composição seguinte “Relando o Povo” mostra as pessoas sendo usadas para deixar os poderosos mais ricos e ficando cada vez mais pobres. Na ala “Mamulengo do coronel” a escola fala do povo sendo utilizado como “fantoche” para os interesses dos poderosos. A ala “povo no cabresto” mostrou a manipulação dos votos populares.
Um dos destaques da escola foi a ala “A peleja entre o bode da resistência e a coxinha ultraconservadora”, mostrando as “coxinhas” empunhando armas que miravam para qualquer lado e poderiam atingir qualquer um. Essa composição fez uma referência a defesa que o governo do presidente Jair Bolsonaro faz do armamento da população. A ala foi tão emblemática que levou a apresentadora Fátima Bernardes, da TV Globo, a gaguejar durante a transmissão e perder o compasso da locução. Na sequência, ela teve que admitir que a escola “trazia uma mensagem sobre a polarização política atual do Brasil”.
O último carro teve bandeiras da comunidade LGBT, símbolos da luta do movimento negro e a frase “Ninguém solta a mão de ninguém”, lema utilizado pelos movimentos sociais brasileiros para enfrentar os tempos de retrocessos de direito e liberdade. Além disso, o carro trouxe algumas ironias como a “barbie facista” e frases fazendo alusão a meritocracia, direitos trabalhistas e racismo de forma jocosa.
Durante a transmissão pela Rede Globo, em um dos poucos momentos em que a analogia entre Lula e o Bode Ioiô esteve explicitada, os apresentadores da emissora reproduziram a justificativa oficial da escola para o enredo. “Não existe comprovação da existência do Bode Ioio, é uma metáfora para a democracia nos tempos atuais, é uma história de resistência”.
Em 2018, a Tuiuti ganhou projeção nacional com o enredo "Meu Deus, Meu Deus! Está extinta a escravidão?" que denunciou o racismo brasileiro. O samba também questionou a retirada da ex-presidente Dilma Roussef do poder e mostrou o "vampirão neoliberalista" (Michel Temer) e os Manifantoches (uma crítica em relação aos manifestantes que foram as ruas protestar nos anos de 2014 e 2015).
Edição: Luiz Felipe Albuquerque