A frágil situação financeira dos sindicatos brasileiros tende a piorar com Jair Bolsonaro na presidência. Isso porque as entidades estão na mira do atual governo que, sem discussão prévia, aprovou a Medida Provisória (MP) 873, que determina novas regras para o recolhimento da contribuição sindical.
Publicada no dia 1º de março, na véspera do Carnaval, a MP estabelece que a colaboração do trabalhador está condicionada à autorização "prévia e voluntária do empregado". Agora, também é necessário que a autorização seja "individual, expressa e por escrito".
Até mesmo a possibilidade de contribuição por negociação coletiva ou assembleia foi anulada pela medida, que determina ainda ser obrigatório o pagamento da colaboração via boleto, excluindo a possibilidade do desconto em folha.
Na opinião de Clemente Ganz Lúcio, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a MP tem como finalidade o desmonte das estruturas sindicais no país para facilitar aprovação dos projetos defendidos pelo governo.
“A intenção do governo é criar mais um problema [para os sindicatos] no momento em que ele prioriza a aprovação da reforma da Previdência. O governo sabe que os sindicatos atuarão rigorosamente contra essa reforma. Fazer essa iniciativa é criar mais um obstáculo para a vida sindical, criar uma adversidade no enfrentamento ao Congresso”, avalia Ganz.
Marcos Verlaine, analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), compartilha a opinião de que a ofensiva do governo contra as entidades sindicais tem como objetivo enfraquecer as críticas e articulações populares contra as alterações na aposentadoria.
“O governo Bolsonaro com essas atitudes, demonstra que escolheu inimigos frontais. Um deles é o movimento sindical. E no plano político, o que está por trás disso é a reforma da Previdência porque o governo já percebeu que um dos principais atores sociais adversários da reforma com esse conteúdo, vai ser exatamente o movimento sindical”, destaca Verlaine. “O combate à proposta do governo, por parte do movimento sindical, poderá ser muito mais complicado por falta de recursos, de condições materiais de atuar efetivamente na sociedade e nas categorias profissionais”.
Mesmo projeto
O analista do Diap acredita que a medida é um aprofundamento da reforma trabalhista aprovada em novembro de 2017 pelo governo Temer, que além de flexibilizar as relações de trabalho e aumentar a informalidade, impôs o fim da contribuição sindical obrigatória.
“O governo Bolsonaro abraçou todas as pautas do governo Temer. Essa MP, ao confrontar a estrutura sindical, coloca em xeque, inclusive, a própria existência do movimento sindical”, reforça.
Verlaine complementa que possibilidade ou não da atuação das organizações de classe é um termômetro da democracia em qualquer país. “Quando o governo encaminha ao Congresso Nacional uma MP com esse objetivo [de enfraquecer os sindicatos], é um ataque frontal também à democracia. E, com certeza, um ataque para quebrar a resistência contra as reformas que retiram direitos”.
Clemente Ganz também critica o fato de que, a partir da MP, o trabalhador ficará em uma posição vulnerável perante seu patrão, já que terá que declarar, por escrito, sua contribuição sindical. “O sentido dela [da MP] é deixar muito claro que o trabalhador deverá se expor perante o empregador de que ele quer apoiar o sindicato. E isso é um princípio básico de medida antissindical que a OIT [Organização Internacional do Trabalho] atua para coibir. Toda a legislação deveria proteger o trabalhador de não expor para o empregador a sua opção sindical, é um direito. Ele não precisa se expor porque muitas vezes a exposição é combatida com práticas antissindicais, com demissão, repressão e assim por diante”, alerta o diretor do Dieese.
Os especialistas denunciam de forma contundente a estratégia do governo Bolsonaro de fazer as alterações na contribuição do imposto sindical por meio de uma Medida Provisória, geralmente utilizada para aprovar algo com urgência e relevância, o que, segundo eles, não era o caso. As MPs possuem força de lei a partir do momento que são publicadas no Diário Oficial.
Para Clemente, neste momento é necessário que os sindicatos se organizem para combater a MP no Congresso Nacional, que será avaliada e discutida dentro do período de 120 dias. Ele também sugere o questionamento da medida junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT), já que, na sua opinião, a MP de Bolsonaro fere a liberdade sindical, garantida na Constituição Federal de 1988.
“É preciso reorganizar o trabalho sindical para fazer frente a esse tipo de iniciativa, algo que o movimento sindical já vem fazendo e que agora precisa se intensificar. Mesmo que essas iniciativas sejam enfrentadas e superadas, outras, que visarão atacar os sindicatos, poderão ser tomadas em breve. As entidades têm que compreender que o tempo é adverso, que exige um tipo de trabalho de associação, de solidariedade, de adesão à organização sindical, de outra qualidade, de outro tipo, daquele que prevalecia até então. Há uma mudança importante a ser processada e que precisa ser acelerada”, finaliza Clemente.
Edição: Mauro Ramos