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Março, o mês dos assassinos

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Estudantes protestam na Cinelândia pela morte de Edson Luís, momentos antes de saída de passeata
Estudantes protestam na Cinelândia pela morte de Edson Luís, momentos antes de saída de passeata - Ronaldo Theobald/CPDocJB
E agora, em um governo que idolatra o passado, o passado retornará?

Neste março soturno que percorremos, firmes ou trôpegos, uma data se aproxima sorrateiramente. É o dia 31, o primeiro que enfrentaremos sob um governo de um ex-militar e com uma centena de generais e coronéis em postos-chave. 

Voltarão as louvações fardadas? Só sabemos que foram necessários cinco mandatos civis após o colapso da ditadura para um presidente banir a fanfarra nos quartéis. Obra da coragem de Dilma Rousseff, em 2011. Não houve, então, gritaria na caserna. Somente estrilaram as legiões de pantufas das três armas. E agora, em um governo que idolatra o passado, o passado retornará?

Caso volte, caberá a nós lembrarmos outros marços, muito mais dignos de jamais serem esquecidos. Marços que retumbam na memória e clamam por justiça. Todos trazidos no ventre daquele março de 1964. 

Como o março derradeiro de Antonio, Maria, Lígia e Wilton. Seu março começou a acabar em um subúrbio do Rio. Estilhaçou-se no dia 30 naquele mês de 1972, quando policiais do DOI-Codi entraram atirando na casa em que os quatro moravam no bairro do Quintino. 

Ferido na perna, Antonio começou a ser torturado ali mesmo. Seus pais receberam o corpo do filho em caixão lacrado e vigiado por policiais até descer ao túmulo. Tinha 22 anos. Maria, 33 anos, foi presa apenas com um ferimento na perna direita. A família somente recebeu seu cadáver. Estava coberto de escoriações, crivado de balas inclusive na cabeça. Lígia e Wilton morreram no mesmo dia, também baleados. 

Não podemos esquecer do março fatal de Edson Luis. Era o dia 28 naquele março de 1968 quando a polícia militar invadiu o restaurante Calabouço, no centro do Rio. Edson estava na fila do almoço com a bandeja na mão e um tiro varou seu coração. De família pobre, viera do Pará fazer o segundo grau na grande cidade. Tinha 17 anos.      
Março foi o mais cruel dos meses para João Lucas. Terrível aquele mês de 1969 para o ex-sargento da aeronáutica. Suas unhas foram arrancadas, o corpo queimado, os ossos quebrados e os olhos vazados. Morreu no dia 6, oficialmente por... suicídio.

Lincoln encontrou um março assassino. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro /UFRJ, desapareceu no dia 13 daquele mês em 1973. Foi torturado até a morte. 
Gerson e Maurício morreram no mesmo dia do mesmo março. Gerson tinha 23 anos e Maurício 20. Teriam, supostamente, caído em confronto com a polícia e, por extraordinária coincidência, com o mesmo ferimento: transfixação do tórax com lesão do coração e do pulmão. Na vida real, ambos foram presos, torturados e executados no mesmo dia 22 de março de 1971.  

Um corpo apareceu boiando no rio Ipojuca, em Pernambuco. Era março e o cadáver tinha marcas de tortura e as mãos algemadas. Pertencia ao geólogo Ezequias, sem militância política. Aconteceu no dia 11 de março de 1972, um dos marços e um dos anos mais devoradores de gente.

No março de Alexandre -- aos 22 anos o aluno mais brilhante do último ano de Geologia na USP -- a morte veio por tortura. Era 17 de março de 1973. Aos familiares, dois delegados explicaram o homicídio como suicídio. Um disse que o preso fora atropelado. Outro que se matara com uma lâmina de barbear... A mãe de Alexandre escreveu uma carta ao Papa Paulo VI:

-- Quem vos escreve é uma mulher do povo a quem lhe mataram o primogênito dos seis filhos, recusando-lhe até a entrega desse corpo...”

Todas as mortes aconteciam, oficialmente, em tiroteios. Apesar dos tiros à queima-roupa, disparados de cima para baixo. Março matava também a verdade.  

Além da mentira, o março oficial só tem sido generoso com os assassinos. Nenhum deles  foi  julgado, punido e preso. Nem os assassinos de todos os demais meses durante 21 longos anos. Na verdade, nem mesmo foram processados.

Quando o 31 de março avança em nossa direção banhado com o sangue dos porões, são lembranças que nos assaltam, ferem e cobram.

Edição: Daniela Stefano