O presidente Jair Bolsonaro está em visita oficial aos Estados Unidos, onde se reúne nesta terça-feira (19) com o presidente estadunidense, Donald Trump. Como de costume, o mandatário comentou o começo da agenda externa em rede social.
“Pela primeira vez em muito tempo, um presidente brasileiro que não é anti-americano chega a Washington. É o começo de uma parceria pela liberdade e prosperidade, como os brasileiros sempre desejaram”, escreveu.
A fala do presidente chama a atenção pela qualidade do alinhamento de seu governo aos interesses do governo dos Estados Unidos, mas, segundo o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, ignora a história recente da relação entre os dois países.
“O presidente Lula esteve nos Estados Unidos, foi recebido com toda a consideração e com todo o respeito que os Estados Unidos conferem àqueles Estados que se respeitam, que não se humilham e que não são subservientes”.
No domingo (17), Bolsonaro jantou na casa no embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral, onde estiveram presentes o escritor Olavo de Carvalho e pensadores da extrema direita americana, como Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump.
Já na manhã desta segunda-feira (18), o presidente participou de uma reunião na Agência Central de Inteligência (CIA), que não estava prevista na agenda oficial divulgada pelo Palácio do Planalto. O ex-juiz da Lava Jato e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, acompanhou o presidente na visita. Autoridades brasileiras já foram alvo de espionagem da CIA. Em 2013, o ex-analista de sistemas e ex-funcionário da agência de inteligência estadunidense, Edward Snowden, revelou um esquema de espionagem do governo dos EUA contra a então presidenta Dilma Rousseff (PT) e altos funcionários do governo brasileiro.
Confira os principais pontos.
Alcântara
Um dos principais acordos que devem ser assinados pelos presidentes Bolsonaro e Trump nesta terça-feira é o chamado Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que prevê o uso da base de Alcântara, no Maranhão, para lançamentos aeroespaciais estadunidenses. O acordo vinha sendo negociado há décadas. No ano 2000, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o tratado com o governo dos Estados Unidos, mas o Congresso Nacional barrou o texto.
Nos Estados Unidos, o ministro de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Marcos Pontes, defendeu o acordo e negou que ele coloque em risco a soberania do país. “É importante ressaltar que a soberania de maneira nenhuma é afetada. Esse acordo é feito em termos técnicos e não tem qualquer influência ou provocação à nossa soberania. Pelo contrário, vamos ganhar muito com isso”.
Para Pinheiro, ainda há muitas dúvidas sobre os termos do acordo sobre a base de Alcântara, já que o conteúdo não foi divulgado pelo governo brasileiro. Ainda assim destaca que “não há dúvidas de que ele fere a soberania do país”.
“Todos os países que têm tropas estrangeiras em seu território, ainda que com nomes de fantasia, como a Otan, não são soberanos totalmente. Hoje em dia, os Estados Unidos são, talvez, o maior país lançador de satélites do mundo. Não acredito que os Estados Unidos iriam construir um concorrente no território brasileiro. Segundo, não há nenhuma empresa brasileira capaz de produzir satélites ou mísseis para ser lançados. Então seria uma espécie de rentismo, como aliás, estamos vivendo no Brasil. Estamos vendendo ou alugando tudo”.
Em entrevista recente ao Brasil de Fato, Flávio Rocha, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC paulista (UFABC), disse que o simples uso da base, sem uma contrapartida correspondente, como por exemplo, a transferência de tecnologia ao Brasil, coloca o país em uma posição de mero braço auxiliar dos Estados Unidos na América do Sul.
“Para os Estados Unidos, será um excelente negócio. O problema é se isso vai ser um negócio tão excelente assim para o Brasil. Quando fazem acordo com parceiros que possuem tecnologias inferiores, os EUA não costumam ser cooperativos como quando fazem com potências que possuem capacidade industrial e tecnológica equivalente”, destacou.
Integram a comitiva brasileira os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Paulo Guedes (Economia), Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Tereza Cristina (Agricultura) e Ricardo Salles (Meio Ambiente), além do deputado federal, filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL).
Venezuela
A situação na Venezuela também deve estar no radar dos dois presidentes na reunião desta terça-feira. Os governos do Brasil e dos Estados Unidos têm tido divergências na forma de condução do caso. Embora o núcleo ideológico do Planalto, incluindo o chanceler Ernesto Araújo, seja favorável a intensificar a pressão sobre o governo de Nicolás Maduro, o núcleo militar é contra uma agressão bélica ao país e pondera a aplicação de novas sanções, já que teriam impactos negativos para o Brasil.
O próprio presidente Nicolás Maduro já afirmou que recebeu ligações de militares brasileiros escusando-se pelas declarações belicistas de Bolsonaro e Araújo.
A esse respeito, Pinheiro destaca o histórico papel do Brasil como mediador de conflitos através do seu ministério de Relações Exteriores, posição abandonada pelo país a partir do golpe de estado em 2016 e da eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República em 2018.
“No caso da Venezuela, nós temos primeiro uma violação do princípio constitucional da não intervenção, que está no artigo 4º da Constituição e que deve guiar a política externa. Por outro lado, não há concordância do governo da Venezuela ou da oposição para que o Brasil seja o mediador. E, aliás, o Brasil não está pretendendo, segundo as declarações oficiais, ser mediador. Ele quer colaborar com o governo dos Estados Unidos para o que hoje em dia chamam de ‘mudança de regime’, o que nada mais é que golpe de estado”.
Migração
Bolsonaro assinou na tarde desta segunda-feira (18) um acordo que permite que cidadãos dos Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália entrem no Brasil sem exigência de visto. A medida já vinha sendo estudada pelo governo de Michel Temer, mas foi barrada pelo Itamaraty pela falta de reciprocidade, um dos critérios fundamentais para o estabelecimento de relações diplomáticas entre os países.
Com a chegada de Ernesto Araújo ao Ministério de Relações Exteriores, a assinatura foi autorizada mesmo sem a garantia da reciprocidade. “Um princípio básico das relações internacionais, das relações entre os Estados é o princípio da reciprocidade. Ou seja, o que um Estado concede o outro concede, de acordo com o princípio da igualdade soberana entre os Estados. Quando o Brasil [faz isso], em troca de um suposto aumento do turismo americano no Brasil -- o que não vai ocorrer de forma alguma --, se sujeita a uma posição de um Estado de segunda classe. É simplesmente isso”, destaca Pinheiro.
Protestos
A recepção de Bolsonaro nos Estados Unidos também incluiu um protesto de ativistas estadunidenses e brasileiros em frente a Casa Branca, em Washington. O serviço secreto dos Estados Unidos tentou desmobilizar a manifestação fechando o acesso aos arredores.
Bolsonaro retorna ao Brasil na quinta-feira (21). Antes, ele tem prevista uma passagem pelo Chile.
Edição: Aline Carrijo