“É realmente chocante você fazer o processo comparativo. Como a democracia lá é real, profunda, participativa. A daqui [do Brasil] é completamente dominada pelo poder econômico. Não é uma democracia real, tampouco participativa, mas se acusa a Venezuela de ditadura, enquanto considera o Brasil uma democracia”.
A surpresa de Jessy Dayane, vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE) ao se dar conta da distorção provocada pela campanha midiática internacional contra a Venezuela, é compartilhada por muitos cidadãos que estiveram em Caracas durante o mês de fevereiro, por ocasião da realização da Assembleia Internacional dos Povos. Jessy participou ainda da Brigada Internacionalista Che Guevara, que reuniu jovens de diversas organizações e movimentos populares na Venezuela também no mesmo mês.
Bia Lopes, secretária de formação da União da Juventude Socialista (UJS) também participou daquela brigada. Ela conta que, durante a estadia no país, notou os efeitos do bloqueio econômico, principalmente no que diz respeito a produtos de higiene pessoal e medicamentos -- embora o abastecimento de alimentos estivesse regular.
“Existe uma compreensão muito unânime entre as pessoas do que está acontecendo. Eu acho que isso foi muito impactante principalmente para nós, brasileiros, que acabamos de sair de um processo de golpe de Estado, em que uma das dificuldades que a gente tinha era justamente explicar para as pessoas o que estava acontecendo”.
A distorção de informações sobre a Venezuela e seu processo político chega muitas vezes às próprias organizações e movimentos do campo popular, na avaliação de José Carlos Miranda, membro do conselho curador da Fundação Lauro Campos e da direção estadual do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que também esteve na Venezuela. Segundo ele, é preciso combater a desinformação que, algumas vezes, faz com que dirigentes e militantes da esquerda reproduzam o discurso hegemônico:
“Essa avalanche e essa pressão enorme desse cerco midiático e da propaganda dos governos e as sanções, é óbvio, criam um senso comum de que existe um regime autoritário na Venezuela. E essas personalidades militantes e mesmo correntes de organizações e movimentos de esquerda sucumbem a esse cerco, a essa pressão da política imperialista sobre eles”.
Estado de guerra
Os brigadistas de mais de 80 países estavam na Venezuela no dia 23 de fevereiro, quando uma articulação de governos de direita, incluindo Brasil, Estados Unidos, Colômbia e Chile, tentaram ingressar em território venezuelano com uma suposta "ajuda humanitária". Lopes conta como foi viver os momentos de tensão, sob a ameaça de uma agressão armada dos Estados Unidos.
“Obviamente [estavam] assustados com uma ameaça, porque ninguém dorme em paz ameaçado de guerra, sem saber quando os tanques irão chegar. Mas [vimos] um povo muito disposto a defender o seu país, a defender a Venezuela. E eu acho que a gente tem muito o que aprender com eles”, conclui.
De volta aos seus países, os brigadistas terão pela frente a tarefa de se dedicar a contrainformação e revelar o que viram no país sul-americano. E foi esse o objetivo do evento "O que está acontecendo na Venezuela?", nesta quarta-feira (20), em São Paulo (SP).
“Depois dessa ‘agenda diplomática’ do Bolsonaro nos Estados Unidos nesses três dias, eu acho que o nosso principal objetivo agora é conseguir explicar através disso que o Bolsonaro foi fazer nos Estados Unidos, que foi colocar o Brasil de joelhos para o imperialismo, explicar para as pessoas porque o povo venezuelano está sofrendo. Porque não estão dispostos a ficar de joelhos, porque não estão dispostos a abrir mão das suas riquezas, porque não estão dispostos a abrir mão da sua cultura, da sua identidade e da sua revolução”, acrescenta Lopes.
O evento foi realizado pelo Comité Brasileiro de Solidariedade à Venezuela em parceria com o Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé.
Edição: Daniel Giovanaz