O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB), afirmou em plenário nesta quarta-feira (20) que a aprovação da reforma da Previdência poderia gerar 8 milhões de empregos e elevar o PIB per capita para R$ 5,8 mil até 2023. Para João Cayres, secretário geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em São Paulo, a promessa não será cumprida -- a exemplo do que aconteceu com a reforma trabalhista de Michel Temer (MDB).
Cayres iniciou sua carreira de sindicalista quando era funcionário da Ford, em São Bernardo do Campo (SP), ainda na década de 80. Desde então, atua como representante dos trabalhadores da empresa. Entre 2007 e 2010, foi presidente e depois secretário geral do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), e depois tornou-se secretário-geral da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM).
Em entrevista ao Brasil de Fato, o sindicalista analisa os possíveis impactos da reforma da Previdência e convoca os trabalhadores para as mobilizações desta sexta-feira (22) contra a proposta do governo Bolsonaro (PSL). Confira os melhores momentos:
Como a reforma impactaria a vida do trabalhador, na prática?
Na verdade, ela impacta não só os trabalhadores, mas toda a população brasileira. E o pior é que ataca justamente quem mais precisa. É um pacote de maldades. Primeiro: essa história de querer mudar para a capitalização. Isso afeta muito fortemente os trabalhadores, porque no modelo atual o trabalhador contribui com uma parte e o patrão com outra parte, dobrada. O trabalhador já entra ganhando a parte dele, e mais duas partes. Pelo modelo de capitalização, ele vai ter que pagar, e o banco vai cobrar um percentual de administração do dinheiro dele. Ou seja, já sai perdendo.
O problema desse modelo é simples. Hoje, o menor valor pago para a Previdência é em torno de R$ 80 por mês, e após um período de 30, 35 anos de contribuição, você recebe R$ 998 por mês. Pelo modelo de capitalização, você vai receber R$ 225.
Esse modelo foi feito no Chile e em vários países da América Latina e da Europa do leste, durante os anos neoliberais.Tem uma pesquisa da OIT [Organização Internacional do Trabalho] que [mostra que] dos 30 países que fizeram capitalização, 18 já reverteram e voltaram ao sistema de Previdência como é o nosso, de Seguridade Social, e outros estão caminhando para isso. O próprio Chile está revertendo.
Hoje, os chilenos estão pagando muito caro e estão tentando reverter. A maioria dos chilenos recebe menos que um salário mínimo, muito menos do que foi prometido. Houve um aumento de suicídios na velhice, porque os velhos agora ficam praticamente sem seus rendimentos. Em alguns casos, chegam a ficar sem mesmo porque, se passou da expectativa de vida, deixa de receber -- porque a capitalização tem um tempo para pagar.
É uma coisa gravíssima. Outras coisas que estão apontando são a questão da idade mínima, a questão de diminuir o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para R$ 400 -- hoje é um salário mínimo. Para quem está aposentado, ele está desvinculando a aposentadoria do salário mínimo, e aí você pode inclusive ganhar menos que um salário mínimo e sem reajuste. Porque [a PEC] não fala em reajuste: fala em lei complementar. Já tem leis na nossa Constituição há 30 anos que ainda não foram feitas, então imagina um reajuste dependendo de lei complementar...
A pessoa pode passar 10 anos ganhando R$ 400, sem nenhum tipo de aumento.
Quais os efeitos das mudanças no tempo de contribuição e na idade?
Hoje já existe um modelo que foi aprovado no governo Dilma. É um modelo interessante, porque é uma escala móvel. Isso ajuda, por exemplo, em casos de pessoas que começaram a trabalhar muito cedo -- caso dos mais pobres, crianças que começaram a trabalhar com 14, 16 anos, e aí contribuem por um período de 35 anos. Então, você soma a idade e o tempo, com o chamado fator 85/95. Ou seja, se você começou a trabalhar mais cedo, você consegue aposentar mais cedo.
O que eles querem fazer, pelo que está colocado, é que o pobre vai trabalhar a vida inteira para ganhar o teto da Previdência -- vai ter que contribuir mais de 40, 45 anos. No modelo 85/95, que já está virando 86/96, você vai ajustando conforme o ano. O que a gente vê nesse modelo é que é justamente uma proposta para os muito ricos, e não para os pobres. Vai prejudicar justamente os mais pobres.
Hoje existe aposentadoria especial para quem trabalha em situações de risco. A possibilidade de se aposentar mais cedo, nesses casos, também vai acabar?
Em muitas profissões, foi extinta a aposentadoria especial na época do presidente Fernando Henrique [Cardoso], inclusive para professores de universidades e outras funções. Agora, eles querem acabar com praticamente todas.
É mais cruel ainda com o trabalhador do campo. Imagine o pessoal que põe comida na mesa -- que não é o agronegócio é a agricultura familiar. Hoje, tem o modelo [em que se] paga sobre o que produz, e querem fazer como se fosse um trabalhador urbano, que tem salário mensal.
Todo mundo sabe que o trabalhador rural depende da produção, mas aí tem chuva, tem seca, tem granizo, e o trabalhador vai acabar contribuindo menos ou mais dependendo do volume. Ele [Bolsonaro] quer que o cara [o trabalhador] contribua todo mês. Isso não será possível. A gente já sabe disso e vai colocar todo o pessoal rural fora do sistema de Previdência Social.
A reforma não fala em taxação de grandes fortunas e do lucro das grandes empresas, porque isso está relacionado a uma reforma tributária. Porém, não é possível falar em corte de privilégios sem tocar nesses temas.
Eles estão querendo fazer uma reforma pela despesa, e não pela receita. Nossa Previdência e Seguridade Social tem um modelo que torna quase impossível ela ser deficitária. Porque tem o PIS/COFINS, a contribuição social sobre o lucro líquido, jogos de loterias, impostos sobre importações e exportações, etc. O problema é que o agronegócio não paga. Ele exporta e não paga -- deveria pagar. Foi uma política lá no passado, que era para implementar uma reserva de mercado para o agronegócio, mas hoje o agronegócio produz muito... poderiam pagar e não pagam.
O que falta no Brasil, na verdade, é uma reforma tributária. Fala-se muito na Previdência, mas a dívida pública, que a gente nem sabe para quem paga, consome praticamente metade do orçamento. Você tem limite de gastos para educação, por exemplo, mas para o pagamento da dívida não. O Brasil é o único país do mundo que paga R$ 400 milhões de juros e amortização da dívida. Em média, mesmo os países ricos pagam em torno de R$ 80 ou 100 bilhões. E ninguém discute isso, ninguém discute as enormes taxas de juros que a gente paga, justamente [o] que consome o orçamento.
Qual a programação do ato do dia 22 de março?
A CUT e as demais centrais sindicais, como a Força Sindical, a CTB, a Intersindical, a CGTB, a CSB, a CSP-Conlutas, vão fazer dia 22, às 17h na Avenida Paulista [em São Paulo (SP)], um grande ato. Em outras cidades, no Brasil inteiro, vai ter mobilização: atos em praças, assembleias nas fábricas, no setor de transportes.
No final do dia, a ideia é juntar pelo menos 50 mil pessoas para protestar, criar um clima de esclarecimento na população. Porque o governo está com uma campanha muito forte, chamando de “Nova Previdência”. Isso é uma mentira, junto com a mentira de falar que vai gerar 8 milhões de empregos. A população não vai esquecer que prometeram 12 milhões de empregos com a reforma trabalhista, mas não melhorou nada, só piorou a situação dos trabalhadores. Foi uma destruição do sistema de relações de trabalho. E agora, de novo.
A ideia é que haja pressão popular sobre os parlamentares para que a PEC não avance?
Isso é uma outra coisa importante. Nós fizemos muita pressão no passado, por isso conseguimos derrotar o governo Temer. Fizemos uma greve geral muito grande, a maior dos últimos tempos, naquele 28 de abril. Aí, tivemos um resultado positivo: 40% dos deputados que votaram com o Temer não foram reeleitos.
A ideia é que a população continue pressionando nas redes sociais, por telefone, e-mail, tudo que puder para pressionar os deputados de cada estado para que não votem [a favor da reforma da Previdência]. E ninguém vai esquecer. [Muitos deputados] Estão no começo do mandato, mas daqui a quatro anos nós vamos lembrar que quem votou a favor disso votou contra o povo.
Edição: Daniel Giovanaz