Retrocesso

Novo bloco sul-americano, Prosul "já nasce excludente", diz especialista

Para Gilberto Rodrigues, acordo “é uma regressão naquilo que se vinha construindo com a Unasul e com o Mercosul”

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Proposta de formação do bloco foi oficializada em Santiago do Chile por representantes de oito países
Proposta de formação do bloco foi oficializada em Santiago do Chile por representantes de oito países - Foto: Claudio Reyes/AFP

Representantes de oito países sul-americanos assinaram nesta sexta-feira (22) a declaração de Santiago, documento que propõe a criação do Prosul, novo acordo de desenvolvimento e integração regional que deve substituir a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), criada em 2008. O texto foi sancionado pelos presidentes Mauricio Macri (Argentina), Sebastián Piñera (Chile), Mario Abdo Benítez (Paraguai), Martín Vizcarra (Peru), Iván Duque (Colômbia), Lenín Moreno (Equador), Jair Bolsonaro (Brasil), e pelo embaixador George Talbot (Guiana). 

A cúpula ocorreu em Santiago, capital do Chile. Segundo o anfitrião, Piñera, o acordo “estabelece um compromisso dos presidentes de colaboração, diálogo e integração na América do Sul”. Especialistas alertam, no entanto, para o risco de se comprometer a autonomia da América do Sul, uma vez que todos os governos signatários são alinhados aos Estados Unidos.

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Para o professor Gilberto Rodrigues, coordenador da pós-graduação em relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), o Prosul “já nasce como um bloco excludente”. 

“A Unasul foi um bloco inclusivo. Todos os países, independente do governo, participaram da Unasul. A Colômbia, que nunca teve um governo de esquerda – sempre foram governos de direita ou centro-direita – participou da Unasul e tomou uma séries de decisões conjuntas”, afirma. 

Fundada há 11 anos, a Unasul reunia 12 nações: Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Guiana, Suriname e Venezuela. Nos últimos anos, sete países deixaram o bloco – sendo que alguns fizeram o pedido oficial de saída e outros suspenderam a participação –, alegando divergências ou, simplesmente, outras prioridades. Hoje, fazem parte oficialmente da Unasul apenas Bolívia, Guiana, Suriname, Uruguai e Venezuela. 

O encontro desta sexta-feira (22) não contou com a participação de líderes da Venezuela, Bolívia e Uruguai, países em que os governos são considerados progressistas. O presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, criticou a criação do novo bloco, afirmando que a região já possui mecanismos fortes de integração, como o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). 

“Prosul é uma regressão”

Rodrigues afirma ver “com muita preocupação esse interesse no esvaziamento da Unasul e a substituição pelo Prosul, que é um foro, não um bloco com formalização jurídica, com institucionalidade. O Prosul é uma regressão naquilo que se construiu e que se vinha construindo com o Mercosul e com a Unasul”.

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Segundo ele, os governos regionais deveriam ter dado mais tempo para que o bloco pudesse ter efeito a nível regional. “Muitos dos frutos da União Europeia, que começou com a Comunidade Europeia, nos anos 50, só ocorreram nos anos 80, 90. É muito simplista dizer que a Unasul, que é um bloco ampliado, um bloco de integração que vai além do econômico -- porque também tinha um objetivo de uma integração social e política -- não deu certo. São apenas 10 anos de funcionamento, isso não é nada para um bloco de integração”, acrescenta.

Já para Pedro Bocca, mestre em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o esvaziamento da Unasul e fortalecimento do Prosul representa não só "o enfraquecimento institucional desses espaços, mas uma mudança do conceito do que é o desenvolvimento e a integração aqui no continente, tanto no aspecto político, quanto no econômico”. 

Segundo ele, com o Prosul, “a linha desse novo ciclo é apostar no multilateralismo, nas discussões multilaterais e na liberalização das economias a partir das tendências ditadas pelas potências, no nosso caso, mais claramente dos Estados Unidos”. 

Venezuela

Piñera definiu o novo bloco como a reunião de “países democráticos que praticam o livre comércio”. Ainda segundo ele, um dos objetivos do novo acordo é pressionar ainda mais a Venezuela. 

Para Bocca, a pressão contra o país caribenho deve ocorrer sob duas formas. Uma delas “é o próprio esvaziamento desses espaços continentais que a Venezuela faz parte. [...] Estamos falando de um país que importa de seus vizinhos boa parte do que consome”. Além disso, com o novo espaço, os membros do Prosul poderão “combinar sanções em conjunto, o que cria uma pressão que não é só nas relações bilaterais, mas como bloco”. 

A maior parte dos países que fazem parte do Prosul também são membros do chamado “Grupo de Lima”, criado em 2017 sob iniciativa do governo peruano supostamente para “denunciar a ruptura da ordem democrática na Venezuela”. 

Para Rodrigues, “está havendo um cerco cada vez maior ao governo venezuelano. E de uma forma muito contraditória, os governos da América do Sul -- Bolsonaro e outros -- ora afirmam, ora desmentem a possibilidade de que a Venezuela possa vir a sofrer uma intervenção”. 

“Um esquema desses, como o Prosul, pode favorecer alguma articulação nesse sentido, o que seria muito ruim e prejudicial para a autonomia e autodeterminação da América do Sul”, finaliza.

Edição: Daniel Giovanaz