"Eu estava deitado debaixo da ponte, aí chegou um guarda e falou assim: 'Levanta, vagabundo'. E eu falei: 'Moço, eu trabalho, estou em situação de rua'. Mas ele já me deu uma cacetada no braço, outra na cabeça e um chute nas costas". A fala é do jardineiro Joaquim Nunes da Silva. Morador da Favela do Cimento, ele está desabrigado desde o incêndio que atingiu o local na noite do último sábado (23).
Centenas de pessoas tentam reconstruir seus barracos em um galpão abandonado no bairro da Mooca, próximo à região onde a comunidade estava instalada. De acordo com relatos, a comunidade foi alvo de uma violenta reintegração de posse durante a madrugada de sábado para domingo, momento em que se iniciou o incêndio que destruiu todas as moradias.
A comunidade instalada às margens da Avenida Radial Leste, no entorno e abaixo do Viaduto Bresser, até a Avenida Pires do Rio, na Mooca, abrigava cerca de 215 famílias. Pelo menos 42 famílias foram encaminhadas para centros de acolhimento, conforme informações da Prefeitura de São Paulo.
“Perdemos móveis, perdemos os animais, documentos. Perdemos bastante coisa. De bens materiais, foi tudo, não deu tempo de salvar”, lamenta Rosiane Aparecida Moreira da Silva, enquanto limpa a mesa da cozinha improvisada que os moradores fizeram para organizar a alimentação coletiva.
Segundo ela, a desocupação estava prevista para a manhã de domingo, mas foi antecipada. “No sábado, 17h e pouco da tarde, a GCM [Guarda Civil Metropolitana] começou a encostar, a chegar um monte de viatura, fotografar. Quando a gente foi ver, o fogo pegou. Começou a pegar fogo em todos os barracos. Só deu tempo da gente sair correndo com as crianças, porque não estávamos esperando. Muita gente aceitou ir pro CTA e estávamos esperando a desocupação, para sairmos de boa, tranquilo”, conta Josiane.
Horas após o incêndio, considerado criminoso, um homem foi detido suspeito de iniciar o fogo. Segundo a Polícia Civil, o homem detinha um galão plástico de 20 litros, vazio. No entanto, moradores da comunidade ouvidos pelo Brasil de Fato nesta segunda-feira (25) afirmam que o rapaz detido também era morador da favela.
Frei Agostinho Theotokos, da Pastoral do Povo de Rua e da comunidade Voz dos Pobres, chegou à comunidade do Cimento às 22h, onde permaneceu durante a madrugada e acompanhou a detenção do homem acusado.
"Davam 'cutucão' por baixo, no baço, na linha de cintura. Deu para ver que foi bem agressivo. Antes de colocarem ele na viatura, jogaram ele no chão, deram chutes e ainda pisaram na corrente da algema". Em seguida, o frei diz que o homem era inocente e estava apenas ajudando os demais a tirarem suas coisas de dentro dos barracos: "Em nenhum momento eu presenciei ele segurando alguma coisa que poderia ser de risco ou causar um incêndio. Deu para perceber que era uma forma de criminalizar e jogar a culpa em alguém", relatou o Frei.
Os moradores precisam de doações de alimentos, produtos de higiene, roupas e mantimentos para crianças, como mamadeiras e fraldas.
A reportagem entrou em contato com a GCM para comentar as acusações dos moradores, mas não obteve resposta.
Edição: Aline Carrijo