O conflito entre o governo Bolsonaro (PSL) e o Legislativo, deflagrado na última semana, provocou uma série de resultados desfavoráveis para o presidente da República. Só na última terça-feira (26), o Executivo amargou três derrotas na Câmara dos Deputados, e a chance de aprovar na íntegra projetos prioritários fica cada vez mais distante -- segundo avaliação dos próprios parlamentares.
Logo pela manhã, o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM), reuniu-se com a comissão escalada por ele mesmo para analisar o projeto “anticrime” do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Entre os parlamentares que se debruçarão sobre o projeto, estão os opositores Paulo Teixeira (PT) e Marcelo Freixo (PSOL). Este último foi relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e é um crítico frequente de Bolsonaro nas redes sociais e no plenário.
Estreante na Câmara dos Deputados, a mineira Áurea Carolina (PSOL) afirma que a desarticulação do governo com a própria base que o elegeu é cada vez mais evidente: “A eleição de Bolsonaro foi um jogo de conveniências. Então, não tem uma consistência política de articulação em relação a todo o campo heterogêneo que viabilizou sua eleição. Há interesses conflitantes mesmo nesse campo, e isso está demonstrado na incapacidade do governo de ter uma articulação, um diálogo mais consistente aqui dentro da Câmara dos Deputados”.
Ainda na tarde desta terça, os líderes dos partidos do bloco “da maioria” na Câmara assinaram um manifesto em que se posicionam contrários a pontos sensíveis da Proposta de Emenda Consitucional (PEC) nº 6/2019, que altera as regras da Previdência. No documento, lideres dos partidos MDB, SD, PTB, PRB, PR e DEM afirmaram que não apoiam a proposta de desconstitucionalização da Previdência, tampouco as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), ou mesmo as alterações nas regras para a concessão da aposentadoria rural.
O líder do bloco na Câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM), afirmou que as bancadas vêm sofrendo pressão nas redes sociais por apoiadores que consideram que a proposta do governo prejudica os mais pobres.
“Há uma campanha insidiosa feita nas redes sociais dizendo que estamos a deliberar uma reforma previdenciária que vai atingir as pessoas mais pobres. E a gente quer, por meio desse manifesto, com os líderes que compõem a maioria na casa, sinalizar que não faremos nada que retire direitos dos mais pobres, que estão na linha da pobreza”.
Após a divulgação do manifesto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, desistiu de ir à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), onde prestaria esclarecimentos sobre o projeto -- o que causou ainda mais desconforto entre os parlamentares.
Apesar de celebrar as deserções na base do governo, a presidenta do Partido dos Trabalhadores, deputada Gleisi Hoffmann (PT), entende que há outros pontos da reforma que vão demandar unidade da oposição no parlamento.
"O fato de o ‘Centrão’ ser contra mudanças no BPC, na aposentadoria rural e na desconstitucionalização da Previdência nos ajuda. Porém, nos deixa um alerta, porque eles podem estar tirando esses elementos da reforma, mas vão continuar com a capitalização, que é a transferência de todo o dinheiro público previdenciário para a gestão dos bancos, para a gestão privada", pondera. "Vão continuar com o aumento da contribuição para 40 anos para o trabalhador poder se aposentar integralmente, vão continuar com o aumento do tempo mínimo de contribuição para as mulheres. Então, são todos pontos sobre os quais vamos ter que continuar a luta".
Antes de terminar o dia, houve mais uma derrota, desta vez com impacto no orçamento. O plenário da Câmara aprovou com mais de 400 votos, em dois turnos, uma PEC que torna obrigatórias as emendas de bancada e aumenta o percentual destinado a elas de 0,6 para 1% da receita corrente líquida do ano anterior. Hoje, somente as emendas individuais dos parlamentares têm execução obrigatória. Segundo o próprio governo, a medida aumenta os gastos e engessa o orçamento federal em 97%.
Para Áurea Carolina, o chamado “'Centrão' jogou um papel decisivo” na votação desta terça. Embora a aprovação da medida tenha sido um importante “recado ao governo”, ela defende que é preciso manter a cautela.
"Por um lado, é importante. Por outro, com esse Legislativo exacerbado, com expressões antidemocráticas aqui dentro, ter esse recurso se voltando como uma moeda com a qual os parlamentares podem fortalecer suas bases de uma maneira não muito republicana, é preocupante", alerta. "Então, embora a gente tenha votado a favor das emendas impositivas para as bancadas, eu acho que não está zerado o risco de que o uso disso seja também para fortalecer esses setores conservadores. Então, a gente tem que lidar com muita cautela".
Após a votação da “PEC do orçamento”, Rodrigo Maia, agradeceu aos deputados pela votação. O texto ainda vai ao Senado, onde precisa ser votado em dois turnos.
Ministros do governo e até o próprio vice-presidente da República, Hamilton Mourão, foram escalados para “pacificar” o conflito com o Congresso. A maior preocupação é com a aprovação da reforma da Previdência, considerada pelo mercado financeiro a base de sustentação de Bolsonaro. A oposição conta com 133 votos contrários ao projeto. Os chamados partidos do “Centrão” ou bloco “da maioria” somam 278 parlamentares. Para a aprovação do texto, são necessários 308 votos favoráveis -- ou seja, dois terços do total dos deputados e deputadas.
Vistos
Nesta terça, o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) reuniu assinaturas de líderes de nove partidos para levar ao plenário a votação de uma proposta para derrubar a isenção de vistos para cidadãos da Austrália, Canadá, Estados Unidos e Japão entrarem no Brasil.
Segundo Hoffmann, o PT aderiu à proposta de Rodrigues no Senado e já faz movimentações junto a outros partidos da oposição na Câmara para trabalharem no mesmo sentido.
"Nós somos contra essa negociação feita por Bolsonaro, que coloca o Brasil em uma posição humilhante. Nós abrimos os vistos para que todos entrem no Brasil e não há nenhuma contrapartida", ressalta. "Os brasileiros vão continuar tendo que tirar o visto para os Estados Unidos e outros países. Em qualquer situação de negociação nas relações internacionais, é preciso ter uma situação de contrapartida, de isonomia. Então, nós aderimos. Tem movimentação aqui na Câmara, tem projetos apresentados, estamos colhendo assinaturas e a nossa proposição aqui é derrubar [a medida]".
A medida anunciada durante viagem aos Estados Unidos deve entrar em vigor no dia 17 de junho, caso não seja derrubada pelo Congresso.
Edição: Daniel Giovanaz