Em um momento de transição tecnológica e reposicionamento internacional, o Brasil está cada vez mais defasado e perde influência. A leitura é da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), que afirma que a política externa de subserviência do governo de Jair Bolsonaro (PSL) aos EUA vai aprofundar a desigualdade entre os países.
“Ficamos para trás porque países como o nosso precisam do Estado para compensar o que tem de atraso, como fizeram os chineses e os russos”, afirmou Dilma. “Os EUA não vão transferir conhecimento [tecnológico] para o Brasil. Essa é uma política cega de atrelamento. E desrespeitosa. Ninguém respeita quem se coloca de joelhos”, afirmou a petista.
A ex-presidenta fez duras críticas à política externa brasileira pouco antes de Bolsonaro embarcar, neste sábado (30), para Israel. O presidente visita o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, um dos principais aliados estadunidenses.
Dilma esteve em uma plenária na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), onde cerca de 300 militantes estão reunidos para a 3ª Conferência Nacional da Frente Brasil Popular. O evento vai debater a construção de uma frente ampla de resistência contra o novo governo.
“O golpe de 2016 não foi só feito porque ganhamos quatro eleições presidenciais seguidas, mas para enquadrar o país econômica, social e politicamente”, sintetizou Dilma, na abertura da conferência.
O processo de transição tecnológica, segundo a ex-presidente, está ocorrendo — e já tem seus frutos. “Tivemos o impacto dos algoritmos nas eleições de 2018. Eles vivem de dados. E quanto mais dados, melhor os algoritmos. Esse enfrentamento está sendo travado pelos EUA, de um lado, e a China, do outro”, analisou a ex-presidenta.
No evento, Rousseff lembrou ainda da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que completa um ano na próxima semana, em 7 de abril. “Todo o golpe tem que se reproduzir, ele não pode parar no ato inicial, tem que ter mais atos. E o obstáculo era Lula.”
Presente no evento, o ex-embaixador Samuel Pinheiro Guimarães afirmou que o Brasil virou um peão na mão do governo republicano de Donald Trump, presidente dos EUA. “O Trump não é maluco. Ele segue um projeto de reorganização do mundo”, pontuou.
Já o vice-presidente do PCdoB, Walter Sorrentino, afirmou que a reação dos EUA à emergência de novas hegemonias internacionais é central para entender o posicionamento político do governo Bolsonaro.
“Já estamos em meio a uma guerra multidimensional e de longa duração. Trata-se de uma estratégia de distância dos EUA para o cerco à China, semelhante ao cerco à URSS. O Brasil está dentro desse cenário”, avaliou.
"Estamos sendo afastados dos Brics, da China e a da integração regional da América Latina. A Venezuela é o pivô teste de estresse de Trump para forçar o doutrinamento dos países e alinhamento com o governo estadunidense”, disse.
Destruição da previdência
Dilma também caracterizou como “gravíssima” a proposta de reforma da Previdência de Jair Bolsonaro, e afirmou que o sistema, como existe hoje, é um importante mecanismo de redução da desigualdade social.
“Quando se aumenta a contribuição para a Previdência, se estende democraticamente uma rede de proteção já construída, que era a previdência da seguridade social. E nossos governos tentaram acelerar esse processo por meio da formalização das pessoas [no mercado de trabalho]”.
“A única negociação é não tocar nela. Mas eles não querem as reformas neoliberais apenas, mas as transformações mais reacionárias. E aí não há como negociar. Não há negociação entre o pescoço e a guilhotina”, finalizou a ex-presidenta.
O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) também afirmou que a luta contra alterações na Previdência é o tema central no próximo período. O ministro da Economia, Paulo Guedes, esteve na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado nesta quarta-feira (27) para apresentar o projeto aos parlamentares. Ele deve ir à Câmara dos Deputados na próxima semana.
“Eu não chamo aquilo de reforma. A proposta deles é uma destruição de tudo o que a Constituição estabeleceu”, ressaltou. “Mas não podemos transformar a luta contra a previdência como uma sequência de atos. Temos que conversar com a população”, defendeu.
A 3ª Conferência Nacional da Frente Brasil Popular, que reúne mais de 50 entidades, entre movimentos populares, partidos políticos e sindicatos, ocorre até este domingo (31).
Edição: Guilherme Henrique