Ao ser sabatinado no Congresso Nacional no final de março, o ministro da Educação, Ricardo Vélez, deixou claro não ter proposta, tampouco um plano de ação. Além disso, cargos do alto escalão sofreram baixas com pedidos de demissões. É o caso de Marcus Vinicius Rodrigues, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) que, após ser exonerado, afirmou que não há comunicação dentro do ministério.
Desde o início do atual governo, inúmeros programas estão paralisados, por conta do caos instalado no Ministério da Educação. O Inep informou que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Seab) medirá a qualidade da alfabetização no país apenas a partir de 2021. Por causa de inúmeras falhas, parte dos alunos aprovados pelo Fies está sendo impedida de frequentar as aulas, que já começaram há mais de um mês. Esses são alguns dos problemas decorrentes da incapacidade de gestão já apresentada na pasta da educação.
Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, a professora doutora de políticas educacionais da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do Fórum Estadual de Educação do Paraná, Andréa Caldas, faz reflexões a respeito da atual conjuntura na educação brasileira.
Brasil de Fato: O Ministério da Educação enfrenta dificuldades para iniciar seu trabalho Como você explica esse caos instalado?
Andréa Caldas: Há uma confusão dentro do Ministério da Educação, com disputas internas, entre grupos como os dos religiosos, dos seguidores de Olavo de Carvalho e de militares. Há uma tentativa do chamado do grupo técnico, que é o que pode entender algo da área, em manter alguma estabilidade nas medidas administrativas, mas parece que tem sido pouco considerado. O ministro da Educação tem demonstrado enorme desconhecimento sobre a educação brasileira e sobre a máquina do Estado. Não se sabe, inclusive, qual seu poder na pasta. Por exemplo, temos uma nova situação com a nomeação do novo secretário-executivo, que é um militar, e chegou dizendo que agora o ministério será organizado. De fato, é muito preocupante essa situação, em especial, diante de problemas sérios que temos na educação.
Qual seria a diretriz central para que o governo prestasse atenção e apresentasse propostas?
Não tem se pronunciado sobre questões fundamentais, entre elas o Plano Nacional de Educação (PNE), que foi aprovado em 2014, e estabelece metas bastante arrojadas para a educação nos próximos dez anos. Nada foi apresentado sobre como executar essas metas. Isso define o futuro da educação, isso impacta em como estaremos daqui dez anos.
Quais os principais problemas que hoje a educação brasileira tem para enfrentar?
Tem problemas velhos, problemas que já foram superados em outros países. Nós temos as questões do acesso não resolvidas, com cerca de 6 milhões de crianças esperando por vagas em creches no país. A faixa de 4 a 5 anos, ainda que definida como obrigatória na Constituição, tem 10% de crianças fora da escola. No ensino médio, a situação é bem mais grave, pois temos 84% de jovens de 15 a 17 anos na escola, sendo que só 62% destes jovens estão no ensino médio. Ou seja, temos uma distorção de idade-série.
O Brasil tem um quadro em que mais da metade dos adultos não concluiu o ensino médio, o que empurra o problema para o ensino superior. É um dos países com menor índice de escolarização, ainda que tenham ocorrido avanços nos últimos governos. Mas esses avanços começaram a ficar estagnados com os cortes de verbas iniciados em 2015. E o atual governo, além de não ter propostas, sinaliza com mais cortes.
A escola parece estar ainda no passado. Como isso fica diante dessa não resolução de problemas?
Atualmente existe reivindicação por uma escola mais articulada, mais moderna, mas mantemos ainda uma escola tradicional. Temos que dar conta de dois problemas ao mesmo tempo: expandir e gerar vagas, garantir que os alunos concluam sua escolarização, mas também que essa educação seja de qualidade e tenha conexão com a vida social. A gente só vai fazer isso se houver de fato investimento na educação. Isso está previsto no Plano Nacional de Educação que está paralisado.
O mais triste acontece quando temos os jovens, atualmente, como a maioria da população, o chamado bônus geracional. Se nós não equacionarmos esses problemas neste tempo histórico, daqui a dez anos essa população estará envelhecida e teremos enormes lacunas na formação desses adultos. Isso tem a ver com o futuro do país no que se refere a desenvolvimento cientifico, pesquisa, produção e trabalho.
O Conselho Nacional de Educação (CNE), no dia 26 de março, declarou ser incompetente para definir o custo aluno qualidade inicial. O que é esse custo e de que forma isso impacta os municípios?
O custo aluno qualidade inicial, chamado CAQI, está previsto Plano Nacional de Educação que, como já foi falado, não foi implementado. É o que define quanto o país deveria gastar, no mínimo, por aluno, na educação básica, a partir de uma matriz de insumos. Matriz essa que foi elaborada coletivamente com entidades da sociedade civil e assumida pelo Conselho Nacional de Educação em 2010. Nesse ano, o conselho emitiu parecer definindo quanto deveria se investir por aluno. Esse parecer precisava ser homologado pelo Ministério da Educação. Nenhum governo desde 2010 homologou, mas também não revogou. E, ainda, o PNE deu prazo ao MEC para que elaborasse uma proposta de custo-aluno. O que aconteceu, na prática, é que não teve proposta do MEC e o conselho, nesse recuo lamentável, se pronunciando incompetente, deixa para a equipe econômica definir o que é qualidade da educação.
Esse custo implicaria ter um valor de repasse da União para estados e municípios. Nós sabemos que a União é maior arrecadadora de impostos e a que menos investe. O município fica muito sufocado porque tem mais responsabilidade com a educação e menos capacidade de arrecadação de recurso. O CAQI seria uma possibilidade de equalizar essas diferenças de um ensino desigual que temos no pais.
Edição: Fredi Vasconcelos