Em 2018, milhares de crianças imigrantes foram forçadamente separadas de seus pais no limite da fronteira dos Estados Unidos com o México. A imagem de uma criança hondurenha chorando ao ver sua mãe sendo revistada por uma agente de segurança estadunidense se tornou símbolo da perversa política adotada por Donald Trump, criticada mundialmente.
John Moore, fotojornalista da agência Getty Images e autor da foto, reúne essas e outras imagens no livro Undocumented: Immigration and the Militarization of the United States-Mexico Border (“Sem documentos: Imigração e Militarização da Fronteira dos EUA com o México”, em tradução livre).
Fruto de um trabalho construído ao longo de dez anos, a obra lançada recentemente retrata a imigração e militarização da fronteira no sul estadunidense e expõe o drama de milhares de centro-americanos que tentam entrar no país buscando melhores condições de vida.
“A política implantada no ano passado, de separar crianças imigrantes dos pais, foi trágica. Acho que pessoas dos dois lados do debate político reconhecem que foi uma política equivocada. Eu, como pai, fiquei feliz de ver o fim dessa política”, disse Moore, ganhador do prêmio Pulitzer, em entrevista ao Brasil de Fato.
Além da imagem da garota hondurenha aos prantos, que concorre ao prêmio World Press Photo deste ano, John registrou vários outros conflitos em seus 17 anos como fotógrafo, entre eles a epidemia do Ebola na África.
Na opinião do renomado fotojornalista, refletir a realidade e fotografar eventos reais é, por natureza, uma ação política. “A fotografia muitas vezes é uma forma de questionamento. Sempre foi e continua sendo assim hoje. O fotojornalismo pode contribuir para uma transformação positiva. O fotojornalismo honesto pode contribuir para a transformação do mundo”, comentou.
Confira as fotos e a entrevista completa do fotojornalista.
Brasil de Fato: Como você se sentiu, enquanto profissional e ser humano, ao retratar o momento em que aquela criança hondurenha estava sendo separada de sua mãe?
John Moore: Todo dia, sempre quero que meu trabalho tenha impacto. Às vezes, esse impacto é maior, às vezes menor. Mas se a foto dessa criança tiver tido um resultado positivo, eu me sinto bem. Parece que ela emocionou muitas pessoas – e com certeza me emocionou. Eu desejo tudo de bom para a Yanela e para a mãe dela, Sandra.
Para mim, fotografar sempre foi humanizar as histórias o máximo possível. Sempre tentei adicionar um senso de dignidade às pessoas que estou fotografando. Meu pesadelo é que pessoas que estejam passando por traumas sejam traumatizadas por mim. Penso muito nisso.
Esperava que a repercussão fosse tão grande?
Nós, como jornalistas, não temos como saber o tamanho do impacto que nosso trabalho terá. Nós esperamos que tenha um impacto, mas não sabemos se terá de fato. A imensa distribuição e reprodução dessa foto foi, de muitas formas, inédita. Sou grato pelo interesse que as pessoas tiveram pela história dessa menina.
Qual foi o momento mais impressionante que você fotografou na fronteira?
Com certeza aquele dia em que fotografei a menina hondurenha foi um momento que vou sempre lembrar. Houve muitos outros também. Eu tentei andar com eles [imigrantes centro-americanos] durante metade de um dia. Mesmo tendo muita água, eu mal podia andar embaixo desse sol. São condições desumanas e muitas pessoas apresentam problemas de saúde por isso.
Na fronteira entre os Estados Unidos e o México, fiz fotografias aéreas de helicópteros, no chão e até de barco pelo rio. Vi muitas coisas e muitas pessoas e, para mim, essas são histórias abrangentes e complexas.
Com base no que você viu, qual a sua opinião sobre a política de Trump?
Em geral, prefiro que minhas fotos expressem as opiniões que tenho sobre políticas de governo. Não é meu papel como analista discuti-las. Dito isso, a política implantada no ano passado, de separar crianças imigrantes dos pais, foi trágica. Acho que pessoas dos dois lados do debate político reconhecem que foi uma política equivocada. Eu, como pai, fiquei feliz de ver o fim dessa política.
Meu objetivo fotografando essas questões de imigração ao longo do tempo sempre foi humanizar uma história complexa. Não simplificá-la nem torná-la mais fácil, mas sim mostrar essa história ampla em toda a sua complexidade, que todos como seres humanos merecem respeito.
Qual cobertura jornalística mais te marcou?
Acho que, como seres humanos, somos profundamente afetados pelas nossas experiências de vida. Eu levo essas experiências do meu passado para o cotidiano do meu trabalho. Já vi muitas coisas difíceis na minha carreira e espero que elas me tornem mais sensível às pessoas que estão passando, muitas vezes, pelo pior momento de suas vidas.
Quais foram os momentos mais difíceis?
Para mim, fotografar a fome na África foi muito difícil. Ver uma pobreza muito extrema em regiões do sudeste asiático, como na Índia e no Paquistão, foi difícil para mim. Ver crianças sofrendo é o que mais me impacta – mesmo antes de ser pai já me impactava. É difícil ver uma criança sofrendo.
Você acha que o fotojornalismo também pode expressar uma posição política?
Refletir a realidade e fotografar eventos reais é, por natureza, uma ação política. A fotografia muitas vezes é uma forma de questionamento. Sempre foi e continua sendo assim até hoje. O fotojornalismo pode contribuir para uma transformação positiva – o fotojornalismo honesto pode contribuir para a transformação do mundo. Eu ainda acredito nisso. Talvez não todo dia, mas às vezes fazemos a diferença.
Você acha acha que fotojornalistas deveriam interferir em uma situação com pessoas vulneráveis ou só registrar? Existe um debate na fotografia sobre isso, se os profissionais devem interferir ou não.
Claro, somos seres humanos em primeiro lugar e fotojornalistas em segundo. Ao mesmo tempo, também acredito que temos um papel muito importante de contar a história visual. Quando vejo alguém passando por uma dificuldade e há outras pessoas para ajudá-la, está tudo bem. Vejo com muita seriedade meu papel como documentarista visual.
Edição: Luiza Mançano