O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), abrirá o primeiro escritório comercial do governo paulista no exterior em Xangai, na China, em agosto deste ano. O anúncio foi feito no início desta semana, e a ideia do governo estadual é fortalecer a relação com o país, consolidando o processo de desestatização de equipamentos públicos.
No segundo semestre, Doria fará uma viagem à China para atrair investimentos e apresentar o plano de desestatização a bancos estatais, paraestatais, investidores governamentais e privados chineses.
O país asiático já é um dos principais parceiros comerciais do estado e também do Brasil e tem aumentado sua participação em setores estratégicos, como, por exemplo, no setor elétrico, por meio da venda de ativos públicos.
Privatizações
Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a cientista política Cristina Pecequilo afirma que a opção do governo Doria é financeira, mais do que estratégica. “Se a gente for pensar em termos de política externa brasileira, hoje, a visão do Estado brasileiro difere um pouco dessa perspectiva do Doria”, diz.
Ela também enxerga nesse movimento uma tentativa de alavancar politicamente o governador. “A gente tem visto uma movimentação do Doria para se posicionar no cenário político nacional e, com isso, reforça uma possível candidatura presidencial para daqui quatro anos; a gente não pode tirar isso do horizonte.”
Segundo a Secretaria Estadual de Planejamento, o foco do plano de desestatização será a implementação de um amplo programa de privatizações, concessões e parcerias público-privadas para rodovias, portos, aeroportos regionais, serviços de balsas, portos e programas de desenvolvimento agrícola.
A professora da Unifesp, no entanto, critica privatizações sem visão estratégica e a curto-prazo para conseguir investimentos e solucionar problemas fiscal do estado. Para ela, este processo pode levar à perda de setores estratégicos. “Não é só com relação à China. O Brasil está entregando diversos setores estratégicos para diversas potências. Isso, para daqui uns anos, vai levar a uma perda de poder de barganha imensa do país. Ele está sendo fatiado”, afirma.
Triângulo
Cristina Pecequilo pondera ainda que, no âmbito nacional, o alinhamento irrestrito de Bolsonaro com Trump pode ser um risco para a relação com a China. “Eu acho que a China tem uma clareza grande que há um risco de ter uma aproximação com o Brasil nesse campo financeiro-comercial. Então, por enquanto, ela mantém porque ela precisa de alguns setores da economia brasileira, mas, dependendo do movimento, [isso pode mudar]. O Brasil não pode querer agradar a China e o EUA ao mesmo tempo porque eles são competidores.”
Em um jantar na residência do embaixador do Brasil em Washington no mês passado, membros do governo Bolsonaro debateram a necessidade de reduzir a co-dependência com a China para “proteger os interesses nacionais brasileiros”.
O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, e o ideólogo do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, são dois dos maiores defensores da redução de influência do país asiático na economia brasileira.
A proposta, no entanto, causou alfinetadas do governo chinês desde o início do governo Bolsonaro. Logo após as eleições presidenciais brasileiras, em outubro, a China fez um alerta ao presidente eleito. Um editorial do China Daily, que é estatal, afirmou que a economia brasileira sofreria se o Brasil seguisse a linha do presidente dos EUA, Donald Trump, e rompesse acordos com Pequim.
Bolsonaro voltou atrás no discurso e afirmou que o grande parceiro econômico do Brasil “é a China; e, em segundo lugar, os Estados Unidos”. O presidente de extrema direita deve fazer uma visita ao país ainda neste ano.
Movimentações estratégicas
O economista Célio Hiratuka, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que a China tem feito um esforço recente de aumentar a autonomia do país e a internacionalização do seu sistema produtivo desde 2008. E, ao mesmo tempo, tem um sistema bancário com muitos recursos.
“A presença chinesa no Brasil sempre foi, historicamente, muito forte e começa no setor de recursos naturais — na mineração, no petróleo. Mas desde 2010 que esse perfil de investimentos vem mudando bastante. Muito em direção para as atividades relacionadas a indústria e serviços, mas principalmente em direção ao setor de infraestrutura, com proeminência no setor de energia elétrica”, pontua.
O economista afirma ainda que a estratégia do país asiático está alinhada a uma estratégia de desenvolvimento nacional deles. “E, nesse processo, por mais que eles estejam buscando aumentar o peso do setor privado, as empresas estatais são ainda muito importantes.”
Em entrevista coletiva com Doria, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, afirmou que o Brasil tem “grande complementaridade” com a China. Para Hiratuka, as propostas se casam porque “de um lado tem quem quer muito vender; e de outro lado, um agente que quer muito comprar”.
“O nosso grande problema é que a China tem essa estratégia muito clara de desenvolvimento e a gente tem uma carga ideológica muito grande colocando a culpa de toda ineficiência como uma questão simplesmente do estado. É uma visão, no mínimo, um pouco ingênua do processo de desenvolvimento, que exige uma articulação do público e privado”, diz o economista.
Edição: Aline Carrijo