Em 2019, a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) deveria ter a revisão do seu Plano Diretor aprovada pela Câmara de Vereadores. O documento, obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, é o mais importante instrumento de política urbana do nosso município. Contudo, a despeito dessa relevância, sua última revisão completa uma década. A lei dispõe que, de dez em dez anos, esse dispositivo seja amplamente discutido entre os mais diversos setores da sociedade antes de ser levado, como pauta, à casa legislativa municipal.
No entanto, a metodologia de escutas por meio de audiências públicas parece não fazer parte da agenda da atual gestão, ao se isentar do processo participativo desse e de outros processos inerentes ao controle e ao desenvolvimento urbano. O mais recente exemplo é o caso da Comunidade Porto do Capim.
Ainda assim, há tentativas de diálogo com a PMJP, por parte da sociedade civil organizada. Movimentos sociais, entidades de classe, comunidade acadêmica e outros setores se uniram no Fórum Plano Diretor Participativo que, desde 2017, vem cobrando abertura do processo de revisão junto à Prefeitura. Contudo, mesmo com as inúmeras investidas, a gestão do prefeito Luciano Cartaxo (PV), que se autointitula "referência em questões de controle interno, transparência pública, prevenção e combate à corrupção", se esquiva do processo participativo, se encerra entre as quatro paredes de suas secretarias e, de maneira nada democrática, parece não cumprir com o seu papel de poder público.
O que é o Plano Diretor
Instituído pela Constituição Federal de 1988, o Plano Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. A Constituição transfere aos municípios, por meio do Plano Diretor, a obrigação de definir a função social da propriedade e, entre outros, a delimitação e fiscalização das áreas subutilizadas, sujeitando-as ao parcelamento ou edificação compulsórios ou, da mesma forma, à desapropriação e pagamento de títulos e cobrança de IPTU progressivo no tempo.
Em outras palavras, o Plano Diretor é a peça chave de controle sobre a produção do espaço urbano. Possibilita orientar como se dará o crescimento da cidade, quais áreas do município poderão ser contempladas com investimentos que vão influenciar desde o processo de verticalização de um bairro até a garantia de zonas especiais de interesse social para o provimento de moradias populares.
Sem participação popular, a cidade é um privilégio de poucos
Para além das questões técnicas que envolvem a redação do Plano Diretor, são os seus desdobramentos que mais interessam à população. Em médio e longo prazo, João Pessoa poderá somar mais experiências urbanas qualitativas, sólidas e integradas entre si, em oposição aos resultados quantitativos que, apenas, marcam a imagem de uma gestão.
Dentre suas inúmeras contribuições, o documento pode criar dispositivos que garantam a provisão de habitação de interesse social em regiões já consolidadas com infraestrutura urbana. Especialmente, onde há predominância de imóveis desocupados e de terrenos vazios, ao azar da especulação imobiliária, ambos descumprindo a sua função social.
Garantir a correta delimitação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) é uma das estratégias mais importantes do Plano Diretor, entre outras, limita o crescimento do perímetro urbano, impedindo a proliferação de novas periferias e otimizando o custo do orçamento público. Essa economia é observada, por exemplo, ao se evitar o alargamento da rede de esgoto e de saneamento básico, a construção de nova malha viária, a ampliação das rotas de transporte público, para citar alguns exemplos.
Para além da questão econômica, as consequências negativas de um Plano Diretor hermético e ensimesmado na visão técnica da Prefeitura levam à precarização da qualidade de vida das pessoas, que se isolam da cidade consolidada, e, com isso, contribuem para acentuar a segregação social e os problemas urbanos (segurança, saúde, meio ambiente etc…).
Um Plano Diretor participativo gera oportunidades de garantias ao direito à cidade, em que as ações podem se configurar como políticas públicas que permeiam os ciclos das gestões municipais. Da mesma forma, fomenta atividades inclusivas que estão relacionadas diretamente à democratização da cidade.
Ouvir a população é oferecer o protagonismo da tomada de decisões às classes sociais nunca antes visibilizadas e compartilhar o exercício de cidadania com o grupo de pessoas historicamente privilegiado. No atual contexto, em que não há diálogo e prevalece a verdade absoluta dos setores técnicos e políticos da PMJP, João Pessoa vem se transformando no mito da cidade sustentável, justa, democrática e igualitária, sem, contudo, a sua própria população fazer parte desse processo.
* Arquiteto e urbanista, professor e coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo do IESP, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil na Paraíba e coordenador do núcleo PB do BR Cidades.
Edição: Heloisa de Sousa