Desmonte

Doria ameaça cultura no Estado de São Paulo: orçamento caiu pela metade desde 2010 

Museu Afro Brasil e Theatro São Pedro podem fechar devido a corte de quase 23% na pasta que já possui o menor orçamento

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

João Doria, governador de São Paulo, diz que cultura não é prioridade em sua gestão
João Doria, governador de São Paulo, diz que cultura não é prioridade em sua gestão - Leon Rodrigues/SECOM

Uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) na noite da última quinta-feira (4) trouxe mais uma vez à tona o risco de desmonte da cultura sob a gestão de João Doria (PSDB). Um decreto assinado pelo governador em janeiro deste ano estabeleceu corte de 22,95% no orçamento anual da Secretaria da Cultura e Economia Criativa.

A iniciativa da audiência foi do deputado Carlos Giannazi (PSOL), autor do projeto de lei que pretende revogar o decreto de Doria. A expectativa é que a pressão faça o governo recuar, como foi com o Projeto Guri, preservado após intensa mobilização no início desta semana.

A decisão de Doria representou uma redução de R$ 148 milhões em recursos e pode levar à extinção de 25 projetos culturais e organizações sociais. Atualmente, o governo investe apenas 0,35% em cultura.

Um levantamento da Associação Brasileira das Organizações Sociais de Cultura (Abraosc) aponta impactos desse contingenciamento, como fechamento de teatros e museus, cancelamento de exposições, extinção de grupos artísticos, redução nos horários de funcionamento e demissão de funcionários. A Abraosc reúne entidades responsáveis por implementar boa parte das políticas da Secretaria do Estado, que já estão se mobilizando contra o decreto.

Também nesta quinta (04), um grupo de trabalhadores do Museu Afro Brasil, localizado na cidade de São Paulo (SP), denunciou em nota que a instituição está sob ameaça por conta do corte orçamentário de quase 23%, explica Renata dos Santos, auxiliar de coordenação do Núcleo de Educação do Museu. A redução proposta pelo Estado em outras áreas foi de 3,54%, enquanto o percentual investido em cultura caiu pela metade desde 2010. O domínio tucano entre governadores de São Paulo dura mais de duas décadas.

“A cultura já tem o menor orçamento das pastas: 0,35% do orçamento do Estado para a cultura já representa falta de investimento e descaso muito grande. Os impactos desse corte para o Museu Afro Brasil pode representar seu fechamento, senão parcialmente, definitivamente.”

Além do Museu Afro Brasil, outros pontos de cultura também correm o risco de fechar as portas, como o Theatro São Pedro, referência nacional na produção de óperas e concertos. Com a extinção de sua orquestra, a instituição trabalha com a previsão de encerramento de suas atividades ao longo deste ano. Renata enfatiza que a luta dos movimentos se constitui na defesa do acesso à cultura na cidade de São Paulo.

“A nossa luta é, sim, pelo Museu, mas é também pela cultura. Nós estamos nos articulando com pessoas de outros museus, de outras áreas da cultura, da música, do teatro para, juntos, fazermos um enfrentamento real, forte e firme, pelos meios que forem necessários, contra esse corte do governador João Doria.”

Localizado no Parque do Ibirapuera, o Museu Afro Brasil guarda um acervo com mais de cinco mil obras dos universos culturais africanos e afro-brasileiros e evidencia suas memórias e histórias na formação do patrimônio, identidade e cultura brasileira. “Mas, é também um museu que, ao contar a história do Brasil a partir da população negra, faz com que negros, brancos, indígenas, brasileiros e estrangeiros que visitem esse espaço se encontrem com a história de uma população de forma diferente da que nós encontramos na história oficial”, completa Renata.

A integrante do Núcleo de Educação afirma que fechar o Museu Afro Brasil é uma política de extermínio de memórias e histórias abolicionistas, que, anualmente, recebem mais de 180 mil visitantes. A instituição conta com 62 funcionários diretos e 27 terceirizados.

“Em 2015, o Museu Afro Brasil já teve um corte de 12%, que resultou na demissão de 25 funcionários do Museu. Esses postos não foram reocupados pelos mesmos ou por outros trabalhadores. Então, nós já estamos trabalhando no limite, com o quadro de funcionários a menos do que o ideal.”

Segundo a Abraosc, “o impacto pode ser ainda mais significativo uma vez que as atividades já estão em andamento e o orçamento terá que ser adequado agora para um intervalo de oito meses até o final do ano, contabilizando gastos já realizados de acordo com a previsão orçamentária anterior.”

Descaso

O acesso às atividades culturais por pessoas de baixa renda deve ser ainda mais prejudicado. Segundo o levantamento da Abraosc, com o corte de verba, o ingresso gratuito aos sábados na Pinacoteca do Estado, por exemplo, será cancelado e um terço dos funcionários deverá ser demitido.

Já, nas Fábricas de Cultura, centros culturais localizados na periferia de São Paulo, há projeção do cancelamento de 250 ateliês e fechamento e redução do funcionamento de bibliotecas, prejudicando 7,5 mil frequentadores. Dessa maneira, os pontos de cultura também podem reduzir em 40% o acolhimento ao público na zona leste (4 mil pessoas), além de fechar orquestras, bandas, oficinas de férias e cursos noturnos.

“Algumas estimativas das OSs [Organizações Sociais] apontam para mais de 30% de corte real para o equilíbrio financeiro dos contratos, principalmente pelo custo das demissões necessárias. Outro importante efeito é o impacto negativo para a captação de recursos pelas instituições, pois os cortes diminuirão imediatamente a capacidade das OSs de cumprirem com metas já pactuadas com patrocinadores e, em vários casos, com assinantes de temporada, que trazem mais receitas para os equipamentos e programas -- mais de R$ 80 milhões de reais em 2019 --, além do óbvio abalo na imagem e credibilidade dos programas com os parceiros da iniciativa privada”, diz o relatório da entidade.

Questionada pelo Brasil de Fato sobre como pretende manter as atividades dos equipamentos culturais com a redução da verba, a Secretaria do Estado da Cultura e Economia Criativa informou que tem realizado reuniões com as organizações sociais com as quais mantém contratos. "O objetivo é avaliar, definir e mitigar os impactos do contingenciamento sobre as atividades realizadas. Não há previsão de fechamento de instituições e programas", afirmou a assessoria de imprensa do órgão.

Edição: Aline Carrijo