As mulheres se uniram de uma maneira que não está dando brechas para os homens
Um dos sons mais populares e ouvidos no Brasil é o samba. Originário da Bahia, no século XIX, a mistura dos ritmos africanos conquistou o país e se tornou um importante símbolo da música brasileira.
Apesar de estar presente na maioria das casas do povo brasileiro, o samba sempre teve uma tradição machista e excludente. O espaço devido às mulheres dentro desse gênero musical foi conquistado por meio de muita luta.
Enquanto aos homens cabia tocar nas rodas de samba e compor as letras, o local destinado à mulher foi o da dança, de forma sexualizada, em um ambiente exclusivamente habitado por homens.
Esse tipo de cultura criou uma série de barreiras para a entrada das mulheres nas rodas de samba e até mesmo nas avenidas. Lais Oliveira, que toca cavaquinho no Samba de Dandara, um grupo composto apenas por mulheres, explica que a resistência dentro do gênero musical sempre existiu: "Resistência dentro do samba, eu sinto todo dia, não importa onde eu esteja. Mas não sinto resistência só no samba, sinto resistência na sociedade inteira. Você, sendo mulher, tem o seu lugar estabelecido e não queira sair dele! Porque você vai ter que brigar por isso.
Para pertencer a um lugar que naturalmente, historicamente e socialmente não é seu, você precisa lutar por ele mais do que lutaria se estivesse num lugar pré-estabelecido para você, sua classe social e seu gênero".
Foi e ainda é por meio da luta de muitas mulheres ao longo dos anos, que o espaço feminino vem sendo conquistado. Mulheres extraordinárias, com muita força e luta, foram referência dentro do samba: "Referência temos várias, de mulheres fortes. Desde Dona Ivone Lara, que era compositora e não podia assinar as próprias composições por ser mulher, Jovelina, Clementina e as próprias mulheres do samba de São Paulo, Bernadete do Peruche - a primeira mulher a puxar um samba-enredo na avenida, no Anhembi. Muitas referências de como, apesar das dificuldades, é possível sim estar nesse lugar", destaca Laís.
Maria Bernadete Raiumundo, conhecida por Bernadete do Peruche e citada por Laís, foi uma dessas mulheres que revolucionaram o samba dentro das avenidas. Ela, com 68 anos, conta que, quando começou a cantar, encontrou muitas barreiras no caminho.
"Nos primeiros dias que eu cheguei na escola, na Unidos do Peruche, tinha uma ala de 20 ou 30 componentes homens, que não queriam nem me deixar subir no palco. Como eu era nova e totalmente inexperiente, aí eles queriam me amedrontar. Falavam ‘Nós somos nós, nós somos os homens da escola, somos da ala dos compositores e nós é que vamos cantar’. Só que eu assumi primeiro o microfone, abaixo dos olhos de raiva deles. Mas sem problema, eu dei conta".
Justamente pela falta de representatividade feminina, Bernadete encontrou muitos rodas de samba compostas apenas por mulheres e afirmou que a luta delas é um dos pilares do ritmo.
"A mulherada nunca teve voz. De repente, elas se uniram de uma maneira tal que não está dando brechas para os homens. São vários grupos, vários. Seja cantando ou tocando. Eu estou lá com elas para que não esmoreçam, para não acontecer o mesmo tipo de preconceito que existe hoje. Quando elas vão tocar nos lugares, eles tocam 'até dizer chega' e quando está terminando o evento, aí sim eles chamam as meninas, para que elas não tenham muita visibilidade. E o samba tem que ter continuidade. Essas meninas estão vindo tanto nos grupos de samba, quando na avenida. Agora cada escola de samba, cada ala musical tem a sua menina cantando junto, coisa que antes não tinha", comenta.
São muitos os grupos de samba compostos apenas por mulheres e que, com o devido valor, têm conquistado espaço por meio da música. Samba de Dandara, Sambadas, Samba de Rainhas são apenas alguns dos exemplos.
O importante é ocupar o espaço que, antigamente, não era visto como “lugar de mulher”, mas que hoje, mostra que a roda de samba também pertence a elas. E como diz Bernadete do Peruche, somos capazes de qualquer coisa:
"Graças a Deus eu tive essa chance de provar que eu sou Bernadete, eu tenho capacidade e posso qualquer coisa que eu quiser, inclusive cantar numa escola de samba desse nível".
Edição: Michele Carvalho