10 de abril de 2019. Essa é a data que trará uma pá de cal sobre a experiência de uma TV pública no Brasil. Nossa potencial BBC tupiniquim vai, definitivamente, ser oficializada como uma máquina de propaganda para o governo federal. E, ainda que o fim de uma TV pública agrade o oligopólio privado do rádio e da TV no país, um outro segmento vai ser ainda mais beneficiado: os militares.
No próximo dia 10, estreia a nova programação da TV Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Criada em 2007 em cumprimento à Constituição Federal, a EBC sempre sofreu mandos e desmandos dos governos passados, mas conseguiu manter um caráter público, voltado ao cidadão, em defesa dos direitos humanos e dando voz a quem nunca teve na mídia tradicional. Ainda que tenha sido atacada por Temer (MDB), que destituiu o Conselho ocupado pela sociedade e acabou com a independência do presidente da empresa, agora, sob Bolsonaro (PSL), a ordem é não disfarçar mais: propaganda pura, sem debates editoriais.
Tivemos acesso ao conteúdo da nova programação do canal. Além da troca da logomarca azul por uma verde e amarela, já lançada oficialmente, os destaques ficam para um programa em defesa da reforma da Previdência (4 episódios com 30 minutos cada); outro para o agronegócio, fixo; inserções de hora em hora na programação com as agendas do presidente e de ministros (chamadas “Governo Agora”); um programa de entrevistas com membros do Executivo e, para as Forças Armadas, 4 programas. Dois para a Marinha do Brasil, um para o Exército e outro sobre a “Missão Antártica”, que também envolve a participação da Força Aérea Brasileira (FAB).
O programa do Exército já tem nome, “Brasil em obras”, e uma definição: “a série mostrará algumas das principais obras de infraestrutura realizadas pelo Exército brasileiro. Em todo o país, são milhares de construções: rodovias, ferrovias, portos e aeroportos”. Já a Marinha foi agraciada com o programa “Fortes do Brasil”, sobre os fortes existentes no litoral brasileiro, e outro similar, chamado “Faróis do Brasil”, outra atribuição da Marinha nas praias brasileiras. Ambos já estão sendo produzidos pelos empregados concursados da EBC, responsáveis pelas imagens, pelo roteiro e pela edição. Já a logística é garantida pelas Forças Armadas, como transporte e passagens aéreas. Todos são inéditos, nunca exibidos em TV aberta, ainda que no dia 10 nem todos façam sua estreia. Alguns ainda estão no "forno" e devem entrar na grade da programação ao longo do ano. Mas há essa certeza: na primeira oportunidade, 30 anos após exerceram o poder via ditadura militar, as Forças Armadas voltam ao Executivo e logo garantem divulgação em uma televisão pública, bancada pelo dinheiro dos impostos dos brasileiros.
No entanto, para o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, hoje responsável pela EBC via Secretaria de Comunicação Social (Secom), os 4 programas para as Forças Armadas não bastaram. O general também emplacou a jornalista Flávia Mello para apresentar o programa sobre a Previdência e um outro, semanal, chamado “Semana em revista”, que vai ao ar nos sábados à noite. Flávia é figura conhecida nos quartéis, consultora de instituições militares e profissional de “media training” para altas patentes. Constantemente é convidada da Escola Superior de Guerra, em Brasília, para dar “aulas de relacionamento da imprensa com as Forças Armadas”. Em uma de suas palestras, em 2016, nominada “A importância da Integração da Imprensa com as Forças Armadas na Mobilização Nacional, Segurança da Imagem e Comunicação Estratégica”, ela garantia: “Treinar um porta-voz que represente a instituição e defenda a sua imagem e seus valores é cada vez mais imprescindível. A Comunicação Estratégica e a Segurança da Imagem são ações de fundamental importância para os grandes eventos e principalmente para a Mobilização Nacional”. Tantos anos de dedicação, agora, garantiram à jornalista um salário de aproximadamente 20 mil reais na EBC.
Além de agradar colegas de farda e jornalistas próximos, Santos Cruz também precisa “entregar” para o governo uma emissora 100% estatal, ou seja, garantir telejornais e programas televisivos que elogiem Bolsonaro e ministros. E isso inclui o ministro Paulo Guedes, da Economia, que exige enxugar, cortar gastos. Para isso, Cruz vai acabar com o canal TV NBR, criado em 1998, hoje produzido pela EBC via contrato de prestação de serviços. No lugar da NBR, surge uma “Agência Brasil TV”, que passa a funcionar como uma espécie de produtora de conteúdo, mas pegando emprestado, de carona, a “marca” da agência de notícias da EBC. Nessa nova “Agência Brasil TV”, claro, os profissionais concursados seguirão sendo usados para entrevistar ministros, o presidente e a primeira-dama, mas esse conteúdo passa a ser veiculado na TV Brasil. Não à toa, para comportar o material estatal, o jornal da TV Brasil, Repórter Brasil Noite, passa a ser exibido com 45 minutos -- e não 30, como hoje.
Entramos em contato com o general Santos Cruz em seu gabinete na Secretaria de Governo para obter esclarecimentos sobre o projeto e comentar as informações a que tivemos acesso, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
De qualquer forma, na prática, as mudanças na EBC representam o fim da TV estatal brasileira, NBR, pensada para dar transparência aos atos do Executivo -- assim como fazem o programa de rádio A Voz do Brasil e também a TV Justiça, a TV Câmara e a TV Senado, ou seja, garantir o direito à informação da população ao cobrir os 3 poderes da República. E, nessa junção entre NBR e TV Brasil, evidente, o governo não foi ingênuo. Hoje, a TV Brasil é a sétima emissora mais assistida do país, segundo dados do Ibope. Por atuar na TV aberta, a audiência dela já passou canais fechados, como o SporTV, da Rede Globo. Portanto, na escolha de qual canal enxugar, a TV NBR e seus 21 anos de existência foram sacrificados. Aqui cabe um parênteses: permanece, segundo funcionários da EBC ouvidos pelo Brasil de Fato, a possibilidade de que o canal continue existindo para passar, na íntegra, os pronunciamentos do presidente e as entrevistas coletivas dos ministros. Mesmo que a “marca” NBR tenha chegado ao final, o canal propriamente dito, no espectro eletromagnético, na televisão, ainda é alvo de estudos de como será usado
Mas, uma coisa é certa. No dia 10 de abril, você já sabe. Basta ligar a televisão para assistir a nova TV estatal, TV Brasil, colocando no ar programas e jornais à serviço de Bolsonaro e do governo federal. E, claro, não se esqueça de pagar os impostos, diariamente, para garantir às Forças Armadas uma TV verde-oliva. A bandeira verde-amarela estará ali, ao lado, ao final dos programas e do principal telejornal da casa -- infelizmente, para lembrar que o fim de uma TV pública é também o começo do fim da democracia.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira