Houve um golpe; Isto é uma ditadura de novo tipo; É o que a História registrará
Por Marcio Sotelo Felippe*
Se puxarmos o fio da meada do golpe de 2016 chegaremos ao imediato pós-guerra. Antes vamos esclarecer porque dizemos golpe. O impeachment é, com efeito, um procedimento jurídico-político. O que significa que para que se chegue ao juízo político é necessário que se cumpra o requisito jurídico. Sem este, é pura e simplesmente golpe porque depõe presidente violando a Constituição.
O requisito jurídico consiste em que fique caracterizado um crime de responsabilidade. A chamada “pedalada fiscal”, mera prática contábil praticada por pelo menos 16 governadores na época bem como por presidentes anteriores, jamais poderia ser reputado como crime de responsabilidade. Foi uma justificativa grotesca para que forças sociais e políticas retrógradas, comprometidas com interesses antipopulares, tomassem de assalto o poder para um programa de aniquilação de direitos e de entrega do patrimônio nacional.
Esse conflito, como adiantei, remonta ao imediato pós-guerra. À guerra fria, momento em que o mundo se divide em dois grandes blocos, liderados, pelos EUA de um lado e pela ex-URSS de outro.
No Brasil, o primeiro bloco se alinhou em torno da UDN, associada ao imperialismo, antinacional e antipopular; o outro se aglutinou em torno de Getúlio Vargas, eleito em 1950 e de viés nacional desenvolvimentista.
Ocorre que o primeiro bloco tinha um grave problema político: era incapaz de ganhar eleições. E cada vez que perdia ou sentia que perderia, tentava um golpe. A marca da UDN foi o golpismo.
Em 1950, quando Getúlio Vargas se candidatou à presidência, Carlos Lacerda disse que Getúlio não podia se candidatar. Que se fosse candidato, não podia se eleger. Que se fosse eleito, não poderia assumir. E que se assumisse, deveria ser deposto. A frase de Lacerda traçou um enredo que se desenvolve até hoje.
Em 1952 Getúlio criou a Petrobras. Em 1953, João Goulart, ministro do Trabalho, dobrou o salário-mínimo. A sanha golpista não deu trégua até forçar a licença de Getúlio em 1954 e desfechar o golpe, que acabou não vingando pela reviravolta política provocada pelo suicídio de Getúlio. Tancredo Neves dizia que o suicídio de Getúlio adiou em 10 anos o golpe. Outra tentativa de golpe foi abortada em 1961, tentando, em vão, impedir a posse de Goulart após a renúncia de Jânio Quadros.
O golpe vingou em 1964 quando João Goulart anunciava as chamadas reformas de base, que tirariam o Brasil do atraso e que certamente transformariam o país em potência: reforma agrária, urbana, fiscal, bancária etc.
Foram 21 anos de uma ditadura sangrenta que matou ou fez desaparecer cerca de 450 pessoas e torturou milhares. Crimes contra a humanidade que jamais foram punidos, ao contrário do que ocorreu na Argentina, Chile e Uruguai.
Em 1988, finalmente, uma Constituição democrática, com direitos e garantias fundamentais, direitos sociais, políticas públicas de interesse dos trabalhadores e do povo excluído tentava repor o país no caminho perdido em 1964.
Outra vez esse processo foi interrompido, agora com o golpe de 2016. As mesmas oligarquias que desde 1950 tentaram ou deram o golpe para acumular capital, manter seus privilégios à custa da massa excluída e dos trabalhadores, fizeram da Constituição um pedaço de papel.
Revogaram, na prática, a CLT. Impuseram cortes nas políticas públicas, saúde e educação. Entregaram o patrimônio do pré-sal e querem uma reforma da previdência que vai condenar à miséria, na velhice, milhões de brasileiros.
Para isso, depuseram a presidente constitucional e colocaram na cadeia o candidato que certamente ganharia as eleições. Uma eleição que, assim, não pode ter sua legitimidade reconhecida.
Um golpe de novo tipo. Em 1964, Goulart foi para o exílio e a deposição foi escancaradamente um golpe. Em 2016 – 2018, o golpe é travestido. Não são os militares ou policiais que agem na calada da noite prendendo os que ameaçam a hegemonia dos setores reacionários. Forja-se, com o auxílio do Judiciário e do Ministério Público, a corrupção do ex-presidente com um processo sem provas, sem ato de ofício, sem que se possa saber qual medida praticou o ex-presidente Lula para favorecer empresas.
Sem isso simplesmente não há corrupção. Eles terão que explicar para a História em qual off shore, e em qual banco suíço Lula tem milhões de dólares, já que o contrato da Petrobras com a empreiteira alcançava o valor de 3 bilhões de reais e até agora somente apareceram uma cozinha mequetrefe e um sitio com pedalinhos.
Lula é preso político. As eleições não foram legítimas nem devem ser reconhecidas. Houve um golpe. Isto é uma ditadura de novo tipo. É o que a História registrará.
Marcio Sotelo Felippe é jurista e advogado. Foi procurador-geral do Estado de São Paulo.
Edição: Daniela Stefano