O deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), relator da reforma da Previdência, apresentou, nesta terça-feira (9), parecer favorável à aprovação da medida, que tramita na Câmara dos Deputados sob o nome de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019.
Ele defendeu a aprovação integral do texto, alegando que a matéria estaria de acordo com a Constituição Federal -- ponto central de análise da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC), onde a reforma está sendo debatida nesta fase da tramitação. Caso o parecer de Freitas seja aprovado pelo colegiado, a PEC deverá ter o mérito debatido numa comissão especial temática, a ser criada posteriormente.
Ao ler o voto, o relator disse, entre outras coisas, que as normas sobre o sistema previdenciário que constam na Constituição Federal não seriam cláusulas pétreas e que por isso poderiam ser retiradas da Carta Magna por meio de lei complementar, o que é proposto pela reforma. Ele disse ainda que caberá a comissão especial avaliar esse ponto.
A desconstitucionalização das regras é um dos trechos da PEC mais alvejados por especialistas e opositores do governo no Poder Legislativo. Eles argumentam que a medida traz insegurança para os trabalhadores, uma vez que permite a mudança das regras com mais facilidade ao longo do tempo.
BPC e aposentadoria rural
No parecer, Marcelo Freitas recomendou que comissão especial e os deputados tenham “atenção” com as regras propostas pelo governo para o regime de aposentadoria rural e para o Benefício Assistencial de Prestação Continuada (BPC) -- concedido a pessoas com deficiência e idosos que comprovem falta de condições para se manter ou para serem sustentados pela família.
Para os trabalhadores do campo, a reforma determina idade mínima de 60 anos para ambos os sexos, com 20 anos de contribuição ao INSS. O regime atual permite que eles se aposentem cinco anos antes do trabalhador urbano, exigindo idade mínima de 60 anos para homens e 55 para mulheres, com 15 anos de tempo de contribuição.
Com relação ao BPC, o governo propõe, na reforma, alterações para o grupo dos idosos, cuja idade mínima para receber o benefício passaria de 65 para 70 anos. A partir dos 60, segundo a PEC, seria possível receber R$ 400 por mês.
Esses dois aspectos então entre os mais criticados da reforma e foram questionados não só pela oposição e por setores populares, mas também por 13 partidos do campo conservador (PR, SD, PPS, DEM, MDB, PRB, PSD, PTB, PP, PSDB, Patriotas, Pros e Podemos), que apresentaram, no último dia 26, um documento pedindo a exclusão desses dois dispositivos da PEC.
Ao final da leitura do parecer, foi concedida vista coletiva, o que significa que diferentes deputados pediram tempo para analisar o texto do relator em detalhes. Pelo regimento, o prazo para o pedido é de duas sessões de plenário da Casa. Por conta disso, os debates sobre a PEC na CCJC deverão ter seguimento na próxima semana. A ideia do governo seria colocar o texto em votação no próximo dia 17.
Embates
Assim como nas demais ocasiões relacionadas à reforma, a sessão se deu sob intensos embates e com diferentes tentativas de obstrução da matéria por parte da oposição, que acabou vencida por aliados do governo em requerimentos que pediam a retirada da PEC de pauta e o adiamento da leitura do texto.
Um dos destaques da sessão foi uma questão de ordem apresentada pelo deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade/RJ), que criticou a ausência de representantes do campo popular na audiência, em que só foi permitida a entrada de parlamentares, assessores legislativos e imprensa. Essa tem sido a regra adotada pelo colegiado desde o início da discussão da PEC.
Ao apresentar a questão de ordem, Ribeiro citou, entre outras coisas, o artigo 48 do regimento da Câmara, segundo o qual as reuniões das comissões devem ser públicas. O dispositivo define como casos excepcionais encontros que tenham como pauta deliberações relacionadas a declarações de guerra ou acordos de paz, entre outros.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Ribeiro afirmou que defende a reforma com alterações em diferentes trechos, mas pontuou que os debates na CCJC não deveriam ocorrer sem a presença de público.
“Esse tema interessa à sociedade brasileira. Vai impactar uma geração, vai impactar o futuro das pessoas, e o governo quer privatizar a Previdência sem iniciar o povo [no assunto]. Nós queremos ampliar esse debate”, afirmou.
Em resposta ao questionamento do parlamentar, o presidente da CCJC, Felipe Francischini (PSL-PR), limitou-se a dizer que a decisão de vetar a entrada de outros atores seria “por questões de limitação de segurança” e que a norma havia sido comunicada previamente aos líderes partidários.
Suspeita de arma
Para além da apresentação do voto do relator, a sessão teve como ponto alto uma confusão que se armou após o deputado Eduardo Bismark (PDT-CE) gritar no microfone acusando o Delegado Waldir (GO), líder do PSL – partido de Jair Bolsonaro – na Câmara, de estar armado. “É um atentado à segurança da Casa”, disse o pedetista, pedindo que o presidente da CCJC fechasse as portas para impedir o fluxo de entrada e saída.
A acusação interrompeu a sessão e provocou reações de todos os lados. Enquanto opositores se manifestavam criticando o suposto porte de arma, aliados de Waldir se posicionaram em frente às câmeras para defender o pesselista. Foi o que fez, por exemplo, Nicoletti (PSL-RR), que exibiu para a imprensa um vídeo mostrando a região das costas do parlamentar por baixo do paletó. “Era apenas o coldre”, apontoy. “É a mesma coisa que usar um tênis”, defendeu outro aliado não identificado pela reportagem.
Bismarck e outros deputados, como Pompeo de Mattos (PDT-RS), acusaram o líder de ter passado a arma para outra pessoa em meio ao tumulto que se formou no plenário. Ao mesmo tempo, Waldir se exibiu para a imprensa ironizando a acusação e mostrando outros objetos por baixo do paletó, como lápis e caneta. Ele saiu da comissão logo em seguida.
O uso do coldre por parte do líder do PSL também foi criticado por diferentes parlamentares.
“Não há necessidade alguma de alguém andar com um coldre, fazer volume [na roupa] e isso virar intimidação. Isso não pode. Quero dizer que o deputado Valdir, líder do PSL, cometeu um erro grave. Foi uma irresponsabilidade”, bradou o líder do Psol, Ivan Valente (SP).
Mulheres
Outro ponto de realce da sessão foi a constante interrupção, por parte de deputados aliados do governo, durante a fala de deputadas da oposição. Em diferentes momentos, Maria do Rosário (PT-RS), Sâmia Bomfim (Psol-SP), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Erika Kokay (PT-DF) tiveram os discursos interrompidos.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Rosário atribuiu a situação à pressa do governo em aprovar a reforma, com o consequente sufocamento das vozes dissonantes. Ela também apontou que seria um caso de machismo.
“Eles têm uma questão de gênero na medida em que não conseguem ouvir a nossa voz. Muitas vezes eles gostariam de calar a nossa voz, e nós não podemos nos calar. Nós somos a voz de todas”, disse.
A psolista Sâmia Bomfim destacou ainda outro fator:
“A maioria das pessoas que estão fazendo obstrução de oposição hoje são deputadas mulheres, e existe essa coincidência. Sempre que a gente faz uma intervenção, a bagunça é maior, a intimidação é maior”, criticou.
Edição: Aline Carrijo