A empresa provoca um dano ambiental de enormes proporções, pelo qual é multada em R$ 250 milhões. Alguns meses depois, recebe “a incumbência” de cuidar do meio ambiente que ela mesma devastou. E com qual recurso? Com os mesmos R$ 250 milhões que ela havia desembolsado por conta da destruição provocada.
Por mais absurda que pareça, a história pode se tornar realidade, caso seja levada adiante uma proposta do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para dar uma “saída ecológica” ao crime ambiental provocado pela mineradora Vale na cidade de Brumadinho (MG), no dia 25 de janeiro de 2019, que matou mais de 300 pessoas, das quais mais de 80 continuam desaparecidas.
Salles anunciou que ofereceu à mineradora Vale, sem licitação, a concessão de sete parques nacionais localizados em Minas Gerais: Caparaó, Grande Sertão Veredas, Caverna do Peruaçu, Sempre-Vivas, Serra do Gandarela, Serra da Canastra e Serra do Cipó, que totalizam mais de 705 mil hectares. Para a manutenção das reservas, seria devolvido à empresa o valor pago em multa pelo crime ambiental de Brumadinho.
Isabela Gonçalves, vereadora de Belo Horizonte pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e membro da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Águas e Barragens, classifica a proposta do ministro como um “escárnio”, pois transforma o ônus da empresa pelos crimes ambientais em um lucrativo bônus.
“É um escárnio. A gente considera que essa medida que está sendo negociada pode ser ilegal. Está transformando o ônus da empresa, que é a multa pelo processo de crime ambiental, em uma premiação da gestão de parques que deveriam, se fosse o caso de passar para a gestão da iniciativa privada – o que a gente também não concorda – mas se fosse o caso, deveria ser aberto um processo de licitação”.
Além de questionar a legitimidade do ministro para oferecer a concessão dos parques sem a abertura de um processo de licitação, como previsto em lei, Gonçalves lembra que o histórico da relação da empresa com o meio ambiente não a qualifica para a gestão dos parques.
“Existe uma pressão das mineradoras sobre o sistema político para flexibilizar os processos de licenciamento ambiental, existe sempre um blocamento do Estado com as mineradoras para aprovar o licenciamento de novas áreas de mineração e as mineradoras estão avançando sobre áreas que são estratégicas. Áreas, em geral, ricas em água, preservadas por comunidades tradicionais. É muito forte a relação violenta que a Vale estabelece com comunidades camponesas e quilombolas”.
Já a ambientalista Jeanine Oliveira afirma que a aplicação dos recursos provenientes de multas ambientais deve obedecer critérios definidos em lei.
“Não existe nenhum impedimento das multas que estão para compensação ambiental ocorrerem desde que na mesma unidade territorial – e a gente adota a bacia hidrográfica como unidade territorial. Então se o crime ocorreu na bacia do rio Paraopeba, é na bacia do Paraopeba que tem que ser feita a compensação”.
Oliveira alerta que os parques envolvidos no anúncio do ministro estão em bom estado de conservação, o que não justifica a transferência das administrações à iniciativa privada. Outro impedimento ao acordo entre o estado e a mineradora Vale está determinado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A deputada federal Áurea Carolina (PSOL/MG) conta que se reuniu nessa terça-feira (9) com o ministro Ricardo Salles e, entre outras coisas, alertou sobre a necessidade de observar a convenção 169 da OIT no que se refere à consulta prévia de populações tradicionais para a autorização de projetos econômicos em seu território.
“Alguns dos sete parques selecionados têm problemas de conflitos territoriais com povos e comunidades tradicionais e conforme determina a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], nenhuma medida administrativa ou legal que afete esses povos e comunidades tradicionais pode acontecer sem antes uma consulta prévia, livre ser realizada com essas populações”.
Segundo o ministro Ricardo Salles, a mineradora Vale já concordou com a proposta, mas sua concretização ainda é incerta, já que parlamentares e ambientalistas prometem desenvolver uma forte campanha de oposição ao projeto.
A relação de Salles com as mineradoras tem histórico. O ministro foi condenado em uma ação de improbidade administrativa e teve os direitos políticos suspensos por três anos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. No processo, o Ministério Público o acusa de haver alterado um plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Tietê, “com clara intenção de beneficiar setores econômicos, notadamente a mineração”. A defesa do ministro recorre da sentença na segunda instância.
*Com colaboração de Cristiane Sampaio
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira