Nos pequenos selos postais encontrados em correios em Cuba, na década de 1970, imagens cotidianas e coloridas feitas por meio da serigrafia retratavam lutas populares. Eram paisagens que apresentavam, por exemplo, a luta por libertação no Vietnã — pintadas em cores vibrantes que se contrapunham às imagens de violência veiculadas pela mídia internacional.
Essas pinturas evidenciam como a arte e estética eram debatidas no início do processo revolucionário cubano, há 60 anos, e foram tema de um dossiê do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, divulgado nesta segunda-feira (8).
Pôsteres e selos postais eram feitos por artistas como René Mederos, chefe da equipe de design do Departamento de Orientação Revolucionária, que foi enviado ao Vietnã por alguns meses para viver a guerra in loco. Ele marchou nas trilhas ao lado do líder vietnamita Ho Chi Minh e retornou à ilha caribenha para produzir imagens do processo.
A designer Tings Chak, do Instituto Tricontinental, foi responsável pela pesquisa. Ela explica que a produção dos pôsteres rompeu esteticamente até mesmo com uma tradição socialista, ao trazer elementos da cultura pop.
“Naquele momento, existia uma corrente hegemônica chamada realismo socialista em que os trabalhadores eram retratados de altos e musculosos como o típico proletário, pintado com um estilo realista".
Os pôsteres dos artistas cubanos romperam com essa romantização. No lugar, trouxeram mais cores vivas, contraste, linhas reduzidas e simplificação visual, mas, ainda assim, com forte viés ideológico.
“Esses pôsteres não estavam apenas nas revistas, mas eles eram distribuídos por todo o mundo, cerca de 50 mil cópias em diversos países. E eles se transformaram em propagadores das ideias da revolução em lugares onde os cubanos não eram permitidos ir por causa das sanções, dos embargos, limitações de viagens e vigilância”, explica Chak.
Devido à sua orientação internacional, os cartazes privilegiavam a imagem em relação ao texto, para universalizar sua compreensão. Eles também se apropriavam de símbolos para zombar com o imperialismo estadunidense. E usavam cores para simbolizar a solidariedade entre os povos oprimidos e aproveitavam os próprios estilos empregados pelo capital contra ele mesmo.
“O que é interessante é que muitos desses artistas que trabalharam como designers vieram da publicidade e propaganda, estudaram em faculdades de Arte nos Estados Unidos e alguns, inclusive, trabalharam em grande agências de publicidade”, pontua a pesquisadora.
Com a expertise ganhada nas empresas do mercado, os artistas faziam imagens que traduzem valores da revolução cubana e passavam mensagens educativas.
O dossiê também discute como a produção desses artistas pode inspirar movimentos populares hoje, mesmo em um contexto diferente, com quantidade de imagens produzidas cotidianamente na internet e nas mídias sociais. Para Chak, o legado que fica é que o campo visual não pode ficar de lado nas estratégias de luta. Essas experiências, segundo ela, ajudam a posicionar o debate sobre estilo e estética para movimentos políticos e sociais
“A intenção por trás da produção é o que é inspirador. Como eles colaboraram entre as publicações, movimentos sociais e com os partidos e levaram a sério a produção dessas artes, não apenas para fazer algo bonito. É importante fazer coisas bonitas, mas, ao mesmo tempo, também há um lado ideológico”, finaliza a designer.
A íntegra do dossiê "A arte da revolução será internacionalista" está disponível online.
Edição: Aline Carrijo