Justiça

Absolvido, professor é processado novamente pela Vale por protesto em ferrovia

Evandro Medeiros é acusado de liderar ato em solidariedade à Mariana (MG); docente já foi absolvido por falta de provas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Professor afirma que a perseverança da mineradora em criminalizá-lo é uma forma de intimidação coletiva
Professor afirma que a perseverança da mineradora em criminalizá-lo é uma forma de intimidação coletiva - Alexandra Duarte

 

Não é a primeira vez que o professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) Evandro Medeiros é processado pela mineradora Vale. Porém, a segunda investida da empresa, que tenta criminalizar uma figura de liderança que luta por direitos humanos no Pará, se vale dos mesmos argumentos da última.

O processo atual é movido pelo Ministério Público (MP) do Estado do Pará, mas foi baseado na primeira denúncia feita pela Vale em novembro de 2015, quando Medeiros foi inocentado em segunda instância. A diferença é que, agora, o processo surge com nova roupagem e de forma mais grave, explica o professor.

“É praticamente o mesmo conteúdo, mesmo argumento, só que agora é um processo na vara criminal sem previsão de pagamento de multas e serviços à comunidade, mas com previsão de pena de reclusão. É uma triste demonstração de como a lei e os órgãos de Justiça têm funcionado nesse país, atrelados aos interesses de grandes empresas, agronegócio, mineração, partidos de governo, e pouco servindo à defesa dos interesses do cidadão e da sociedade”, lamenta Medeiros.

Entenda o caso

A primeira denúncia da Vale contra Medeiros ocorreu logo após o crime de Mariana (MG), considerado um dos maiores desastres socioambientais da história do Brasil. No dia 20 de novembro de 2015, em Marabá (PA), um grupo de cerca de 30 pessoas realizou um protesto no trilho da Estrada de Ferro Carajás (EFC) — local utilizado pela Vale para escoar os minérios da empresa — em solidariedade às vítimas do rompimento da barragem de rejeitos da empresa mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton.

Com cartazes pintados à mão e ao lado de estudantes e outros docentes, Medeiros participou da manifestação pacífica que durou menos de uma hora. O professor conta que não houve obstrução dos trilhos, já que os mecanismos de segurança não foram acionados e isso colocaria em risco a vida dos manifestantes. Segundo ele, algumas pessoas permaneceram no ponto de cruzamento entre a ferrovia e uma avenida, onde há permissão para a passagem de pedestres.

Evandro foi acusado de ser o líder do protesto e de “fazer justiça pelas próprias mãos”, enquadrado no artigo 345 do Código Penal Brasileiro. No entanto, conforme avaliação da juíza responsável na Vara Cível, Medeiros não tinha o interesse de substituir a Justiça, mas de participar de uma manifestação junto à comunidade, direito assegurado pela Constituição.

Na decisão, a magistrada ressaltou que o protesto não durou muito tempo e, por isso, não há provas efetivas de que tenha ocasionado atraso no transporte de cargas e/ou passageiros feitos pela mineradora e, muito menos, que o ato seria capaz de interferir na atuação da Vale ou da Samarco. Após Medeiros ser inocentado pela juíza, a Vale contestou a decisão e entrou com um processo na delegacia, que encaminhou o pedido ao Ministério Público em janeiro deste ano.

Para o professor, o Ministério Público ter aceitado a denúncia demonstra que a lei não atua em defesa da população e daqueles que lutam por direitos. “O que mais me incomoda é a atitude do Ministério Público, porque a gente vive uma conjuntura em que é evidente os crimes cometidos pela Vale país afora e na região em que a manifestação foi realizada em 2015 em solidariedade às vítimas. Era um ato de cidadania, de estudantes, professores e pessoas da comunidade em Marabá em seu direito de se manifestar. E não criou nenhum risco a vida dos passageiros do trem, porque ele já tinha passado. Ele sai as 9h da manhã e nós chegamos às 10h30 e não houve bloqueio dos trilhos, como dizem. Isso já foi constatado no primeiro processo pela juíza da Vara Cível. Então não existe o crime alegado pela Vale e, mesmo com todos esses elementos e uma conjuntura que aponta claramente que a Vale não respeita as leis, o MP acatou a denúncia”.

Perseguição

De acordo com o professor universitário, as empresas de mineração como a Vale realizam monitoramentos nas regiões em que atuam para identificar a presença de ativistas, especialistas, jornalistas e membros de Organizações Não Governamentais (ONGs) que possam atravessar seus interesses. Medeiros conta que é comum ocorrer intimidação e criminalização de pessoas comuns envolvidas com a defesa das comunidades. Para ele, a perseverança da Vale em criminalizá-lo é uma forma de intimidação.

“A Vale me escolheu para ser processado porque ela se incomodou com minhas práticas profissionais na região e é do expediente dela processar pessoas que causam esse incômodo e colocam a crítica, porque talvez ela sinta alguma ameaça nisso, na presença dessa pessoas. Essa é a questão: o processo e a tentativa da Vale de me levar à prisão é um ato contra a coletividade. É um ato de intimidação coletiva em que ela quer dar o exemplo de que não admite ser contestada nem criticada”, ressalta Medeiros.

Durante a época da manifestação que deu início às denúncias, o professor estava atuando na produção de um documentário sobre a condição de vida dos moradores impactados pela ferrovia Carajás. Segundo ele, a região é um bairro pobre e isolado da cidade justamente por conta da ferrovia, além de sofrer com alagamentos e trepidação das casas com a passagem do trem. Medeiros também realizou um festival de cinema em Marabá em que diversas obras traziam os impactos da Vale na região.

Uma petição em apoio ao professor e contra a perseguição da mineradora já conta com quase mil assinaturas — nacionais e internacionais. Outros manifestantes também são alvos de inquéritos da Polícia Civil, a pedido da Vale, por se organizarem para lutar por seus direitos.

“Esta queixa crime movida pela mineradora Vale não ataca apenas o professor Evandro Medeiros, mas a autonomia universitária de realização do princípio da Extensão Universitária, bem como também ataca o direito de manifestação e de reunião que é um direito constitucionalmente garantido. A ganância de uma empresa não pode tornar a pesquisa, reflexão e luta pelos direitos humanos um crime”, diz o texto da petição.

Resposta

Procuradora pelo Brasil de Fato, a assessoria de imprensa da Vale alega que a Ação Penal é movida para que seja apurada a acusação do crime de perigo de desastre ferroviário, previsto no Código Penal Brasileiro. A mineradora argumenta que “a invasão paralisou toda a operação da ferrovia” no dia da manifestação.

“É importante ressaltar que invasão e obstrução de ferrovia coloca em risco a operação ferroviária, interrompe o transporte de minério, combustível e grãos e afeta mais de 1.300 pessoas das comunidades, que usam o trem de passageiros diariamente entre o Pará e o Maranhão. Além disso, um trem, quando carregado, precisa de pelo menos um quilômetro para parar completamente após acionamento dos freios de emergência”, finaliza a empresa.

*Com colaboração de Emilly Dulce

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira