No dia 12 de abril comemora-se o dia do obstetra. A obstetrícia é a especialidade médica destinada a cuidar da mulher durante a gestação, parto e puerpério.
Os desafios deste tipo de profissão não são poucos, nem simples. Segundo pesquisa da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem), no Brasil, acontecem quase 2 mil mortes obstétricas por ano.
Em entrevista com o Saúde Popular, a médica obstetra Amanda Seixas da Silva, do estado de Pernambuco, falou sobre o trajeto e os desafios que envolvem a profissão, destacando aspectos positivos e negativos dos tratamentos médicos atuais dados à gravidez, parto e puerpério.
“A obstetrícia é muito antiga. Esse movimento de trazer o parto para dentro de um hospital aumentou as intervenções. Antes disso, todo o processo de gestação e parto era assistido por parteiras, pela própria família, portanto, existia um vínculo afetivo.”
A profissional médica afirma que se, por um lado, trazer esses procedimentos para o hospital é benéfico pelos equipamentos e tecnologia disponível, por outro, ela gera impactos na saúde mental e física da mulher.
Tecnologia, violência e mortalidade
“Lógico que esse aumento de tecnologia e do conhecimento da gestação, parto e puerpério trouxeram inúmeros avanços e reduziram a mortalidade materna. Mas, ao mesmo tempo, esses avanços também trouxeram algumas intervenções como a cesariana de forma rotineira, de forma descabida e sem critérios, e isso também aumenta a mortalidade. É um desafio muito grande. Hoje, quando você presta cuidado a uma mulher, é preciso pesar aquilo que você está fazendo em benefício dela ou aquilo que você faz por intervenções que acabamos aprendendo durante nossa trajetória na obstetrícia.”
A saúde das gestantes no país é objeto de intensas discussões e políticas públicas. De acordo com dados do estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC), em 2010, uma em cada 4 mulheres sofreu algum tipo de violência obstétrica.
“A violência obstétrica tem muito a ver com essa ideia de não reconhecer e garantir esse direito da mulher durante o processo de gestação. Temos variadas formas de violência, temos violência verbal, física, por não garantir o acesso da mulher à saúde, ou por não garantir um acompanhante durante o trabalho de parto."
De ativa à passiva
A obstetra pernambucana, que integra a Rede de Médicas e Médicos Populares (RNMMP), explica que há várias diretrizes que surgiram por conta da discussão da assistência integral aos direitos da mulher, do reconhecimento dos direitos reprodutivos e da mulher como ser ativo no processo de parto e puerpério, mas que o ingresso no hospital limitou.
"Durante a construção da obstetrícia, e ao trazer o parto ao setor do hospital, isso tudo fez com que a mulher se tornasse passiva nesse processo. Garantir esse acesso é uma maneira de desconstruir e romper com as várias violências obstétricas”, comenta Amanda.
Para ela, nem toda prática da obstetrícia deve ser considerada uma violência obstétrica. Segundo Amanda, práticas como a episiotomia (incisão efetuada na região do períneo para ampliar o canal de parto) e o uso da ocitocina (hormônio sintetizado para ajudar no trabalho de parto), nem sempre configuram violência, quando usadas de forma criteriosa.
“Durante a assistência ao parto, falas que são ditas desencorajam, humilham e não trazem conforto a essa mulher num momento que é tão especial. Temos que pensar que, quando falamos de parto e gestação, nem sempre são mulheres que escolheram estar naquele lugar. Ainda temos muito a discutir sobre direitos reprodutivos e sexuais. Mesmo a mulher que deseja estar naquele momento, ela precisa ser acolhida. A violência verbal sempre esteve muito presente na assistência ao parto. Existe também a violência física, no sentido de intervenções desnecessárias.”
Seixas também pontua que algumas técnicas, como a Manobra de Kristeller, não devem ser realizadas de forma alguma.
“A Kristeller é uma manobra que se usa no momento do parto de compressão de fundo de útero para acelerar o processo de nascimento. Todas as intervenções que visam somente acelerar o nascimento, que não sejam uma intervenção criteriosa para pensar no melhor desfecho do binômio mãe e feto, são intervenções desnecessárias e que causam violência àquela gestante”, destaca.
Parto humanizado
Uma das práticas que vão no sentido contrário à ideia de passividade das mulheres nesse processo é a do parto humanizado.
"Ele traz incentivo ao parto vaginal, incentivo ao aleitamento materno, o alojamento conjunto (junção da mãe e do feto no puerpério). Manter o contato da mãe com o feto pelo acompanhante de escolha, evitar intervenções desnecessárias, regulamentar a atuação de enfermeiras obstetras, de parteiras, e garantir o acesso de doulas de escolha, nem sempre é possível garantir nos hospitais públicos”, explica a médica.
Apesar de não ser de fácil acesso na rede pública, a prática vem crescendo ao longo dos anos. A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), é de que 15% dos partos devem ser realizados por cesárea, de acordo com as condições do momento. Os últimos estudos da revista científica Lancet, em 2018, indicam que o Brasil é o segundo país com maior taxa de cesáreas no mundo, envolvendo cerca de 44,3% dos nascimentos.
O problema, segundo Amanda, tem a ver com uma das lógicas sob a qual funciona a medicina obstétrica. A tentativa de trazer uma forma mais humana na hora do parto, além de criar um vínculo mais intenso entre a mãe e o feto, também é um passo à frente na luta contra a violência contra a mulher.
“Temos uma quantidade de parto por cesárea descabida, que não tem associação com diminuição da mortalidade materna. E vem muito dessa lógica de medicina hospitalocêntrica, intervencionista. Quando falamos em parto humanizado tem a ver também com a tentativa de diminuir essas taxas, porque o aumento das taxas de cesárea está relacionado com o aumento das mortes maternas”.
Edição: Mauro Ramos