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Cercados pelo monocultivo de eucalipto, quilombolas apostam na agroecologia

Terras tradicionais são retomadas para a produção de alimentos no Espírito Santo

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Gessi Cassiano,  do quilombo de Linharinho, no chamado território do Sapê do Norte
Gessi Cassiano, do quilombo de Linharinho, no chamado território do Sapê do Norte - Vitor Taveira
Terras tradicionais são retomadas para a produção de alimentos no Espírito Santo

A agroecologia vem sendo uma aposta para a retomada do território tradicional e fortalecimento da cultura quilombola no Norte do Espírito Santo. Entre os municípios de Conceição da Barra e São Mateus se encontra o chamado território do Sapê do Norte, onde há o maior número de comunidades quilombolas do estado.

Desde os anos 60, por meio de compras, grilagens, expulsões e coações, o território deles foi sendo tomado para o monocultivo de eucalipto. Das mais de 10 mil famílias, apenas cerca de mil e duzentas ficaram na região.

Gessi Cassiano, do quilombo de Linharinho, conta que muitas das famílias que ficaram passaram a depender do trabalho degradante das carvoarias: colhiam gravetos de eucalipto para fazer carvão, eram presos e acusados de roubo pela empresa Aracruz Celulose, que depois chamou-se Fibria e hoje, após fusão recente, tem nome de Suzano.

"Era muito complicado. (...) Trabalhar nas carvoarias era única alternativa das pessoas sobreviverem porque tinha ponta de galha que não tinha como vender. Tinha que ir pra carvoeira. A gente viu que era como um trabalho escravo, a gente limpava a terra para a Aracruz e no mesmo instante era condenado".

Com apoio de ONGs e do Incaper, o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural, começou-se a reforçar o trabalho para desenvolver a agroecologia como alternativa para a difícil situação nos quilombos, explica dona Gessi:

"Deu uma grande mudança dentro do nosso município, dentro da nossa comunidade, deu uma grande melhora porque gente passou a acreditar que a gente plantando como nossos antepassados, nosso entes queridos, plantava dava. A dificuldade hoje é que o nosso solo hoje num tá mais de resistência como era antes. O desmatamento, a falta de água, os venenos, os roundup que bate"

O primeiro passo foi fortalecer a terra com adubação e irrigação e começar a plantar a partir dos quintais das casas ou terreiros, como chamam os mais antigos. Uma das alternativas para escoar a produção foi a venda para a merenda escolar. 

"A primeira vez que saiu um caminhão com as nossas plantas, de dentro do nosso terreiro, eu sentei pra chorar". Gessi se emocionou pois antes dependiam da cesta básica para sobreviver.

Entretanto, a venda para a merenda escolar foi reduzida drasticamente nos últimos anos. Gessi, que faz parte da Associação de Mulheres Quilombolas da Comunidade de Linharinho atribuiu esta redução à discriminação sofrida pelos quilombolas por parte dos agentes públicos do município. Consultada, a prefeitura de Conceição da Barra não respondeu a tempo à reportagem do Brasil de Fato

No Sapê do Norte, embora reconhecidas como terras quilombolas, por conta da morosidade da justiça, nenhuma das comunidades teve seus territórios titulados. Imprensados entre eucaliptos, algumas delas optaram por ocupações como forma de retomar terras que antes as pertenciam.

Edição: Daniela Stefano