POVO NEGRO

Artigo | A letalidade de uma democracia sem cor

Liberdade confinada nas periferias: o povo negro é parte significativa dos trabalhadores subempregados

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Militantes do movimento negro protestam contra a violência do Estado e o genocídio da população negra
Militantes do movimento negro protestam contra a violência do Estado e o genocídio da população negra - Foto: Norma Odara

Num país como o Brasil, onde mais de 50% da população é considerada negra, a democracia racial precisa ser tratada de forma clara e objetiva: uma democracia que represente a transformação simultânea das relações raciais e de classe. A democracia só será realidade quando houver de fato igualdade racial e o povo negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, preconceito ou segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça.

O povo negro é parte significativa dos trabalhadores subempregados. A liberdade veio acompanhada do confinamento nas periferias e guetos das grandes cidades. É também a parcela mais significativa dos pobres do campo, desprovidos de terra pra plantar, continuando sujeitos às piores condições de trabalho impostas pelo agronegócio “moderno”, que não raro lança mão do trabalho escravo para aferir maior lucratividade à sua lavoura. Ao negro tudo foi proibido, na condição de livre lhe foi negado o direito ao estudo e a possibilidade de competir de forma igualitária aos melhores postos no mercado de trabalho.

A violência que assola as comunidades periféricas tem cor e classe social. Quem mais morre pela letalidade do Estado são os jovens negros. A morte do músico Evaldo Rosa, atingido por 80 tiros desferidos pelo Exército Brasileiro no Rio de Janeiro, mobilizou as redes sociais e a opinião pública, no entanto, não sensibilizou as autoridades governamentais vigentes. Essa omissão torna claro que a violência dentro da lei, tal como era regida segundo os valores, preceitos e código moral da casa-grande, continua privilégio dos brancos ricos, ou seja, dos poderosos do país. Você, branco ou negro pobre, embevecido pelo decreto que facilita a posse de armas, não se engane: o privilégio da violência segue sendo patrimônio da elite.

Justiça seja feita, muitas políticas públicas foram implementadas na busca por reparar tais crimes do Estado brasileiro para com o povo negro, sobretudo nos governos Lula e Dilma. Todavia, com os entraves que a elite impõe ao Estado, sem um rompimento drástico de paradigmas, não será possível eliminar as iniquidades econômicas, educacionais, culturais e políticas. Nossa democracia segue letal com os menos favorecidos e com contornos ainda mais obscuros nos dias de hoje.

* Militante do MPA e Acadêmico de Administração em Sistemas e Serviços de Saúde na UERGS


Este conteúdo foi originalmente publicado na versão impressa (Edição 13) do Brasil de Fato RS. Confira a edição completa.  

Edição: Marcelo Ferreira