A compra de alimentos da agricultura familiar para as merendas das escolas públicas do país tem mudado a realidade de pessoas envolvidas nos dois lados dessa política: desde os pequenos produtores, responsáveis pelo cultivo dos alimentos, até os jovens e crianças que se alimentam com as frutas, legumes e verduras diariamente.
No sul do estado de São Paulo, a Cooperativa Central do Vale do Ribeira é exemplo disso. Cerca de 1200 famílias agricultoras que compõem a rede tiveram sua realidade transformada em 2014, quando passaram a vender para a Prefeitura de São Paulo. Toda semana, cerca de oito mil caixas de banana são enviadas para a capital pela cooperativa.
Marcelo Fukunaga, 35, é um dos pequenos produtores. Morador do município de Sete Barras, ele teve a vida diretamente transformada pela política pública.
“Eu sou caiçara nativo do Vale do Ribeira. A gente sofreu muito com a questão do êxodo rural. Eu mesmo tive que deixar a propriedade dos meus pais e ir trabalhar para fora. Foi uma luta para conseguir ficar e sobreviver da propriedade, produzindo alimentos", conta o produtor. "Depois que nós nos articulamos e conseguimos acessar a política pública, a gente reverteu essa situação de êxodo dentro do grupo”.
De acordo com a Lei 11.947, decretada no ano de 2009 durante o segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, 30% do recurso financeiro repassado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) para as prefeituras municipais deve ser destinado para a compra de alimentos de agricultores familiares.
A política fortaleceu a agricultura familiar. Vendendo diretamente para o poder público, os pequenos produtores têm maior noção do valor de seu trabalho. Fukunaga conta que, antes da política pública, os produtores da região eram explorados por atravessadores e atacadistas.
“Eles vinham e pagavam os preços que bem entendiam, isso quando pagavam. Inclusive bananas que iam para alimentação escolar eles chegavam e falavam que tinham que pagar menos porque era uma banana que tinha qualidade inferior e nós, produtores, sem saber, vendíamos por um custo baixíssimo que não pagava nem o custo de produção. Quando a gente começou a acessar as políticas públicas, percebemos o valor agregado que tem uma venda direta, e viu o quanto nós fomos explorados”, explica Fukunaga.
No ano de 2013, apenas duas das mais de mil famílias conseguiam emitir nota fiscal dos seus produtos. Hoje, seis anos depois, todas estão regularizadas.
Segundo uma pesquisa com cerca de 110 agricultores familiares do estado de São Paulo realizada pela nutricionista Flavia Schwartzman, da USP, após o início da venda para as prefeituras, 76% aumentou sua renda e 63% aumentou a sua produção.
Qualidade para o estudantes
Essas frutas, verduras e legumes que saem nas terras dos pequenos produtores são transportadas por quilômetros de distância para beneficiar jovens e crianças da rede pública de ensino. A nutricionista e doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da USP Daniela Bicalho estudou os efeitos desta lei na qualidade nutricional dos cardápios das escolas públicas do estado de São Paulo.
Ela relata que os municípios que compram da agricultura familiar tendem a possuir um cardápio de melhor qualidade nutricional, com maior presença de frutas, verduras e hortaliças.
"Os municípios que não compram da agricultura familiar também atendem a lei, porém os que compram da agricultura familiar têm uma quantidade e frequência maior de oferta de frutas, legumes e verduras, que são os alimentos que a gente espera que eles estejam comprando dos agricultores familiares”, explica.
Em 2018, mais de R$ 95 milhões foram enviados pelo programa para a Prefeitura de São Paulo. Deste valor, segundo dados levantados no Portal da Secretaria Municipal de Educação, 31% foi destinado para a compra da agricultura familiar. A nutricionista afirma que quem ganha são os jovens.
"A importância do consumo de frutas, verduras e legumes, que são alimentos in natura, de acordo com o Guia Alimentar da População Brasileira, é que eles devem ser a base da nossa alimentação junto com alimentos minimamente processados, como, por exemplo, o arroz e o feijão. Esse tipo de alimento está relacionado a uma alimentação saudável, que reduz o risco de doenças crônicas não transmissíveis", explica Bicalho.
A nutricionista, no entanto, destaca que a lei precisa ser aprimorada e atualizada e ser mais clara na proibição da compra de alimentos que são ultraprocessados, diretamente ligados a doenças como diabetes, hipertensão e obesidade.
De acordo com dados preliminares de uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP, entre 2010 e 2016 houve um aumento significativo do número de municípios que compram da agricultura familiar — de 904, esse número subiu para 1204. No total, o Brasil possui 5570 municípios. Com isso, cerca de 20% da verba do PNAE está sendo destinada à compra da agricultura familiar.
Política sob risco
Neste mês, a gestão Bruno Covas (PSDB) delegou para a direção das creches conveniadas a compra de frutas, verduras e legumes, retirando a responsabilidade da Prefeitura. Os pequenos produtores temem que a medida prejudique a destinação de verbas para a agricultura familiar, o que prejudicaria os agricultores e também os estudantes. Nutricionistas também temem pela medida devido à menor capacidade de fiscalização que a prefeitura tem sobre esse tipo de entidades.
Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, no final do ano passado, durante a gestão de Márcio França no governo do estado de São Paulo, foram feitas mudanças no cardápio da rede estadual de ensino. O governo passou a adquirir cada vez mais alimentos industrializados. As compras, que continuaram sob a atual gestão de João Doria, vão contra o Guia Alimentar para a População Brasileira, que recomenda limitar o consumo de alimentos industrializados e evitar os ultraprocessados.
Edição: Mauro Ramos