“Facebook, você está do lado errado da história ao se recusar a apresentar as respostas que precisamos. É por isso que estou aqui, para falar diretamente para vocês, ‘reis’ do Vale do Silício.”
Diante de um auditório repleto de executivos das maiores empresas de tecnologia do mundo, incluindo Google, Twitter e a rede social de Mark Zuckerberg, a jornalista investigativa Carole Cadwalladr causou polêmica na semana passada na Conferência TED ao abordar e responsabilizar nominalmente os bilionários da tecnologia pelos crimes cometidos nas redes sociais durante o referendo do Brexit, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a disseminação do ódio e do medo como estratégias para ascensão do autoritarismo no mundo.
Na palestra "O papel do Facebook no Brexit – e a ameaça à democracia", a jornalista do The Guardian e do Observer defendeu que as leis que mantêm a democracia ocidental estão sendo destruídas em campanhas que acontecem basicamente nas redes sociais. Sem nenhum controle nem transparência sobre interesses e financiamentos envolvidos, ela cita casos que estão tendo impacto real e profundo na vida das pessoas e sociedades – a começar pelo referendo pela permanência ou saída do Reino Unido da União Europeia.
Os fatos que Cadwalladr apresentou não são necessariamente novos. Mas levá-los ao palco principal do TED, no que a jornalista chamou em outro momento de “templo sagrado da tecnologia”, diante de grandes bilionários do setor e apontar o dedo nominalmente para aqueles que devem se responsabilizar pelas ilegalidades cometidas em suas plataformas foi o que provocou uma ruptura no chamado “espaço seguro” de cordialidade que se conhecia até então no evento.
“A tecnologia que vocês criaram é incrível, mas agora se tornou a cena de um crime, e vocês estão com as provas”, declarou. “Isso não é democracia. Espalhar mentiras na escuridão financiadas com dinheiro ilegal é subversão, e vocês são cúmplices disso.”
Cadwalladr citou diretamente Mark Zuckerberg, Sheryl Sandberg, Larry Page, Sergey Brin e Jack Dorsey, os fundadores do Facebook e do Google – patrocinadores da conferência – e o cofundador do Twitter, que daria uma palestra no dia seguinte.
Nove parlamentos, inclusive o britânico, já convocaram Zuckerberg a depor sobre as acusações, sem sucesso, destaca a jornalista.
“É assim que vocês querem ser lembrados na História? Como lacaios do autoritarismo que está crescendo em todo o mundo?” questiona.
Brexit, Trump e o mundo
A jornalista começou a palestra abordando como o referendo do Brexit foi influenciado por uma campanha financiada de forma ilegal no Facebook, disparando anúncios com informações falsas para uma parcela específica da população, indecisa e influenciável, e evitando que todos os outros usuários tivessem contato com o conteúdo. “Foi a maior fraude eleitoral do Reino Unido nos últimos 100 anos”, afirmou.
Uma fonte, afirmou a jornalista britânica, chegou a dizer que o Brexit foi um experimento que seria depois aplicado à campanha de Donald Trump nos Estados Unidos. “Sabemos que são as mesmas pessoas, as mesmas empresas, os mesmos dados, as mesmas técnicas, o mesmo uso do ódio e do medo”, ressaltou Cadwalladr.
“Nesse experimento global massivo na internet que todos nós estamos vivendo, nós, do Reino Unido”, disse a jornalista, “somos o que acontece com uma democracia ocidental quando cem anos de leis eleitorais são violadas pela tecnologia. Nossa democracia está corrompida, nossas leis não funcionam mais.”
“Não preciso dizer que ódio e medo estão sendo semeados pela internet em todo o mundo. Não só no Reino Unido e nos Estados Unidos, mas também na França, na Hungria, no Brasil, em Mianmar e na Nova Zelândia”, destacou a jornalista. “E sabemos que existe uma corrente sombria que conecta a todos nós globalmente. E ela corre pelas plataformas tecnológicas. Mas só vemos uma parte muito pequena do que está acontecendo na superfície.”
Cadwalladr relembrou como tentou investigar denúncias de anúncios pagos disseminando mentiras para estimular o ódio a imigrantes e refugiados na reta final da campanha do Brexit. “Tentei encontrá-los, mas não consegui, porque não há arquivo de anúncios que as pessoas veem ou que foram impulsionados no feed de notícias delas. Nenhum rastro de nada, fica tudo no escuro”, descreve. “Todo o referendo [do Brexit] aconteceu na escuridão, porque aconteceu no Facebook. E o que acontece no Facebook fica no Facebook, porque só você vê seu feed e depois ele desaparece.”
A jornalista ressalta que não se sabe quais eram os anúncios e o impacto que tiveram, que tipo de informação foi selecionada para direcionar as publicações, quem são e de onde estão os responsáveis por publicar os anúncios e quanto foi investido – mas o Facebook sabe e se recusa a fornecer essas informações diante das repetidas solicitações e convocações do parlamento britânico.
Citando o escândalo da Cambridge Analytica, Cadwalladr lembrou como a empresa traçou o perfil político de milhões de usuários de redes sociais “para entender seus medos individuais para melhorar o impacto de anúncios do Facebook” através da mineração ilegal de informações de 87 milhões de pessoas pela plataforma.
Repercussão
Em um artigo para o The Guardian depois do evento, Cadwalladr afirmou que recebeu queixas formais da assessoria do Facebook, mas sem nenhuma contraposição às afirmações que ela fez na palestra.
Em uma entrevista no dia seguinte, Jack Dorsey, um dos criadores do Twitter, disse que é “difícil definir o nazismo” ao ser perguntado sobre a dificuldade de combater postagens nazistas na plataforma.
Carole Cadwalladr ficou conhecida internacionalmente ao expor o escândalo da coleta massiva de dados de 87 milhões de usuários do Facebook pela empresa Cambridge Analytica. Ela é finalista do Pulitzer deste ano, um dos prêmios mais importantes do jornalismo internacional.
Assista a palestra na íntegra (é possível ativar as legendas em português no canto inferior do vídeo):
Edição: Aline Scátola