Tribunal apela para liberdade de expressão quando seus membros são atacados
Por Martonio Mont’Alverne Barreto Lima*
A Operação Lava Jato já não mais dispõe do apoio popular que se lhe construiu, especialmente após seu maior arauto, Sérgio Moro, ter aceito o cargo de Ministro da Justiça do governo Bolsonaro quando ainda era juiz.
Num país com estado democrático de direito, Sérgio Moro e diversos membros do MPF de Curitiba teriam que acertar contas com a justiça por tão aberta parcialidade. Mas a imparcialidade, como nos advertiu Otto Kirchheimer, “é apenas um mito”.
Um dos elementos objetivos a sinalizar a parcialidade da Operação Lava Jato vem do próprio arco institucional dos poderes do Estado.
Antes, o discurso contrário à operação, sua atuação e de seus integrantes no judiciário e no MPF envolviam partidos políticos e intelectuais da ciência política, direito, jornalismo, sociologia.
Agora, a reação contrária à esta operação partiu do Supremo Tribunal Federal (STF). O que chama a atenção é que alguns membros do tribunal de última instância do Poder Judiciário e que sempre enxergaram na operação o que ela realmente é – uma organização política, com interesses e partidos devidamente conhecidos -, mantinham-se receosos de ações mais contundentes contra a operação. Quando o fizeram, foram desautorizados por seus pares na Presidência e Vice-Presidência do STF. O quadro parece ter se modificado.
Na recente decisão do STF sobre ataques contra seus membros voltou-se ao tema dos limites à liberdade de expressão. Nenhuma constituição democrática, produto de processo igualmente democrático, prevê direitos absolutos; ainda mais após a segunda grande guerra, quando o mundo testemunhou o horror das falas de ódio e o que podem desencadear.
Em 2003, o STF negou ordem de habeas corpus no conhecido caso do antissemitismo, quando manteve preso o autor e editor Siegfried Ellwanger, por escrever e publicar livros com fortes ofensas contra judeus. O entendimento da Corte foi que a dignidade humana prevalece sobre a liberdade de expressão.
Neste sentido, o STF caminhou na idêntica direção de quase todas as cortes constitucionais da atualidade: palavras de incitamento ao ódio ou racistas não serão toleradas numa democracia. Aqui, seguiu-se o filósofo Karl Popper, quando afirmou que não se pode ter tolerância com a intolerância, por mais paradoxal que pareça.
Assim, a recente decisão do STF confirma seu entendimento anterior. Porém, o que a questão traz de novidade é a disposição do mesmo em procurar a origem de vazamentos sobre investigações judiciais que envolvam autoridades deste Tribunal.
Há anos que partidos políticos e personalidades, de diferentes matizes políticas, denunciam o vazamento de informações contidas em investigações e, até agora, nenhum órgão do Poder Judiciário havia tido a coragem de impor freio à seletividade dos mesmos.
Há anos que muitos formalmente não acusados nem declarados culpados assistem sua reputação ser destruída por insinuações seletivas ilegalmente divulgadas; o que imobiliza qualquer defesa judicial e liquida o devido processo legal e a ampla defesa.
Claro que a imprensa não há como ser responsabilizada se dada informação legalmente sigilosa sobre determinada personalidade pública chega-lhe às mãos. O problema aqui é saber em que medida a imprensa contribuiu para o vazamento, se foi parte dele, se o incitou, se o estimulou.
Mesmo os que se regozijaram com a ruína dos adversários tiveram neste regozijo a fonte de todos os seus martírios pouquíssimo tempo depois. Apenas confirmaram à história o custo da aventura golpista em que se meteram ao resolver apoiar a destituição de uma presidenta de seu cargo sem causa constitucional.
O STF paga por sua leniência com os vazamentos seletivos a fazerem a festa de inquisidores que não foram impedidos pela democracia da qual o STF é o mesmo guardião.
O Tribunal amarga a experiência de se ver em meio a um turbilhão de notícias contra seus membros, divulgadas de maneira desingênua e muito distante do objetivo do direito à informação e da transparência.
Este STF deve muito à Constituição e à sociedade brasileira por ter sido fraco ante o golpe de 2016 e de seus desdobramentos até aqui.
Por outro lado, este Tribunal é a última instância de nossa institucionalidade que deverá ser apoiada em sua concreta ação a favor da democracia.
Deve ser finalmente assimilado que a guarda de qualquer constituição não necessita da refundação da política ou da república pela “razão sem voto”.
Ao contrário, somente a razão votada é que poderá garantir a democracia e o funcionamento dos Poderes. Este caso mais recente é apenas um exemplo dentre tantos que uma profunda historicidade constitucional exibe. Ainda há tempo, mas é necessária a coragem.
* Martonio Mont’Alverne Barreto Lima é professor titular da Universidade de Fortaleza e procurador do Município de Fortaleza (CE).
Edição: Daniela Stefano