Após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), que completa três meses nesta quinta-feira (25), a mineradora tem tido decisões judiciais positivas a seu favor.
Na semana passada, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) autorizou a empresa a retomar as atividades na maior mina de minério de ferro do estado, a Brucutu. Localizada em São Gonçalo do Rio Abaixo, o empreendimento estava desativado desde o início de fevereiro, por questões de segurança após o crime ambiental em Brumadinho.
A professora Tatiana Ribeiro, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), relaciona decisões favoráveis à Vale a uma dependência econômica de municípios de Minas Gerais com a atividade mineradora. A conduta da empresa, segundo ela, pode ser considerada “terrorismo empresarial”, porque se beneficia do medo e da falta de informação.
A mina de Brucutu foi fechada após ação do Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG). A Vale conseguiu reverter a decisão na Justiça, mas não chegou a retomar a atividade da mina por causa de outra liminar.
Desta vez, a Prefeitura de São Gonçalo do Rio Abaixo recorreu e afirmou que o fechamento prejudicaria as atividades econômicas do município. A economia da cidade de 10 mil habitantes cresceu quase dez vezes após a chegada da Vale, em 2006. A arrecadação da cidade saltou de R$ 20 milhões, em 2005, para R$ 191,6 milhões, em 2014.
Ribeiro, que é integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais da Ufop, avalia que essa dependência econômica é a base para uma “guerra de liminares” no estado de Minas Gerais — o que faz, na sua visão, com que a questão econômica prevaleça sobre os riscos socioambientais.
“O que a gente observa é que tem um movimento do Ministério Público na tentativa de evitar um novo desastre na proporção dos que foram o do Rio Doce e de Brumadinho; e, ao mesmo tempo, uma movimentação do governo do estado e dos governos municipais de não diminuir a arrecadação. E é claro que a população fica muito dividida com essa situação”, pontua a especialista.
“Eu não sei se os governos contam agora com o apoio da população nem com o apoio dos próprios trabalhadores para a retomada dos trabalhos sem as informações necessárias para garantir a segurança das pessoas e da natureza”, diz.
O sindicalista Lourival Araujo Andrade, da Ação Sindical Mineral, também questiona os benefícios de uma economia tão atrelada à atividade mineradora. “Precisamos da mineração, sim. Mas, neste modelo, especialmente o das megaminas, onde diálogo social e respeito à biodiversidade não existem, é hora de fechar quem não quer mudar”, defende.
Meros laudos
A decisão do TJMG foi assinada pelo presidente da Corte, o desembargador Nelson Missias de Morais. O magistrado usa como argumento o atestado de estabilidade da Barragem Sul, que integra a mina Brucutu. Ele afirma que “medidas que acarretem a paralisação de atividades devem ser tomadas a partir de elementos concretos e não em virtude de meros receios”.
Tatiana Ribeiro contesta que a paralisação não tenha sustentação. Segundo ela, os rompimentos das barragens do Fundão, em Mariana (2015), e do Córrego do Feijão, em Brumadinho (2018), mostram que os atestados não são garantias. Ambos os projetos tinham a segurança atestada.
“Quem produz as informações sobre a segurança das barragens, dentro do atual sistema, ainda são as empresas contratadas pelas mineradoras. Isso faz com que, pelo histórico da Vale com o rompimento das duas barragens, ela não seja mais considerada de confiança para produzir esse tipo de informação”, lembra a professora.
“A falta de confiança existente agora no modo de operação das mineradoras é suficiente para que a Justiça seja mais cautelosa com essas informações que são produzidas pelas mineradoras”, completa.
Acordos
Depois de 90 dias do crime ambiental, outra medida que pode ser favorável à Vale é o acordo negociado com a Defensoria Pública de Minas Gerais. No início deste mês, o órgão assinou um termo de compromisso com a mineradora para o pagamento de indenizações às vítimas “de forma rápida, eficaz e justa”. A tragédia deixou 232 pessoas mortas; 40 ainda estão desaparecidas.
O MP-MG, no entanto, defende negociações coletivas como a melhor opção. E é o que também opina a professora da Ufop: “É um acordo que não tem transparência nenhuma. Não foi levado a conhecimento dos outros órgãos do sistema de Justiça, não foi levado ao conhecimento do juiz que preside essa ação e tampouco ao conhecimento das pessoas atingidas”, critica a especialista.
A professora considera que o prazo de três meses ainda é recente para fazer uma avaliação sobre como está sendo feita a responsabilização da empresa no caso. Ela considera que os órgãos públicos acumularam aprendizados com outras tragédias, como a de Mariana, e tem respondido de forma mais articulada.
“Por outro lado, as empresas também aprenderam com aquele processo. Mas esse aprendizado está mais no sentido de garantir menor prejuízo do que garantir que não ocorram mais os mesmos erros”, critica.
Edição: Aline Carrijo