Cerca de 80% dos agrotóxicos utilizados no Brasil são destinados para as monoculturas de soja, milho, cana-de-açúcar e algodão. Não é à toa que, dentre os estados do país -- que já é o campeão mundial no uso dos químicos agrícolas --, São Paulo apareça no ranking como maior consumidor, com a produção de cana-de-açúcar predominante no território.
Apesar da utilização intensa de agrotóxicos, o estado paulista conta com um quadro de cerca de 80 fiscais para dar conta das atividades relacionadas ao comércio e uso desse tipo de produto em todo o território, de acordo com a própria Secretária de Agricultura e Abastecimento de São Paulo.
O quadro de funcionários corresponde a cerca de 40% em relação à 2008 e os fiscais acumulam diversas funções, prejudicando a dedicação integral à atuação em campo. É o que informa Marcelo Novaes, ex- coordenador do Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos e defensor público do estado de SP.
Ele também explica que a fiscalização é, na verdade, apenas uma pequena parte na questão do controle do uso de agrotóxicos em São Paulo e que ela sozinha não daria conta mesmo com mais funcionários.
"Tem que mudar a política de desenvolvimento do país que está assentada na exportação de commodities agrícolas que necessitam de uma grande utilização de agrotóxicos, de pulverização aérea. E o poder político central que é seriamente influenciado pelos interesses dos nossos ruralistas".
De acordo com a Anvisa, para serem comercializados, os agrotóxicos devem estar registrados no Ministério da Agricultura e serem comprados somente com a autorização de um engenheiro agrônomo com nota fiscal. Quem não cumprir as regras pode ser enquadrado em Crime Ambiental, Crime de Contrabando, Crime de sonegação fiscal e na Lei dos Agrotóxicos. Porém, Novaes aponta que uma fiscalização mais rígida no atual modelo de agricultura só prejudicaria o lado mais fraco, que são os pequenos produtores.
"Se a gente pensar somente na fiscalização, a gente vai acabar colocando, pelo pouco que conheço do nosso Sistema Judiciário, a gente vai colocar [em prejuízo apenas o] pequeno agricultor que é obrigado a comprar semente já com agrotóxico, que não tem apoio para comercialização de seus produtos e que não tem inclusive cultura para sair da agricultura convencional e usar uma menos agressiva", explica ele.
A Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado São Paulo informou que o processo de aprovação e liberação de agrotóxicos no Brasil segue a Lei Federal nº 7.802/89, conhecida como Lei dos Agrotóxicos, e fica sob responsabilidade da Anvisa, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do IBAMA. Os órgãos fazem avaliações individuais sobre os efeitos dos químicos antes de permitirem o uso no país. As entidades estaduais são responsáveis por cadastrar os agrotóxicos liberados no estado e fazer as fiscalizações regionais.
Neste sentido, o defensor público aponta a permissividade das leis brasileiras em relação a quantidade e os tipos de agrotóxicos liberados, que incluem componentes químicos banidos na Europa e Estados Unidos. Para ele, está claro que a questão é tratada de forma política e econômica, em detrimento da saúde e meio ambiente. Aponta, ainda, a isenção fiscal do agronegócio como uma das ferramentas que mantém o modelo econômico em pé.
"Se você quiser saber quem manda no país, você analisa a legislação tributária. É a melhor fotografia para se ver a relação de poder em um país. Nosso país exportou 96 bilhões de dólares de commodities agrícolas que utilizam 80% de todo o agrotóxico que polui água, meio ambiente, usa pulverização aérea, e pagou de imposto de exportação de R$ 38 mil. A participação do agronegócio na composição de receitas públicas não passa de 0.3% do total de receitas. Isso demonstra claramente quem exerce o poder".
Lei permissiva: veneno na água e no alimento
De acordo com o “Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia", de autoria da professora Larissa Bombardi, são utilizados em média por ano 110 mil toneladas de agrotóxicos em São Paulo. O Atlas também indica que 70% da área do estado recebe o veneno por pulverização aérea nas lavouras, oferecendo riscos de contaminação da água. São Paulo também já foi identificado, de acordo com uma lista divulgada pela Pública, como estado com a rede de abastecimento de água mais contaminado por agrotóxicos do país.
As empresas de abastecimento são obrigadas por lei a pesquisar 27 pesticidas e apresentar os resultados aos órgãos competentes, mas Novaes explica que para a fiscalização ser transparente seria necessário buscar na água os quase 400 agrotóxicos utilizados no país. Ele também ressalta que é importante que o controle seja feito pela vigilância sanitária e não pelas próprias empresas.
“Nós tínhamos 381 princípios ativos em 2016, esse número deve ter aumentado para quase 400 por causa de liberações recentes. A diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem, não se aplica quando você discute a questão da toxicologia em relação aos agrotóxicos. Porque existe toda a interação entre princípios ativos”.
Em relação aos alimentos, a última pesquisa da ANVISA (2015) indica que foram pesquisados até 232 diferentes tipos nas amostras coletadas, número ainda abaixo dos defensivos circulados no país.
São Paulo aparece no Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, do Ministério da Saúde, com a maior quantidade de notificações de intoxicação pelos defensivos agrícolas. Foram 15.042 casos identificados em 2015, demonstrando um aumento gradativo em relação à 2007. Os números coincidem com o crescimento da comercialização de agrotóxicos na região no período analisado.
Na contramão das pesquisas e denúncias de contaminação por agrotóxicos e malefícios para a saúde e meio ambiente, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou no dia 3 de abril o Projeto de Lei 147/2018, conhecido como “pacotinho do veneno”. De autoria do ex-governador Geraldo Alckmin e votado às pressas, sem discussão com a sociedade, o PL flexibiliza o controle e a fiscalização da fabricação, do consumo e do comércio de agrotóxicos em São Paulo.
Para Novaes, a política de incentivar o modelo econômico exportador de commodities deve ser enfrentada com o debate sobre o tratamento fiscal, que atualmente iguala produtos de pouco impacto na saúde e meio ambiente com os que causam males. Ele também aponta que um controle maior pelo Ministério da Saúde e a não privatização são caminhos para enfrentar a questão.
Edição: Aline Carrijo