A preocupação com as relações entre o Estado Palestino e o novo governo brasileiro foi um dos principais assuntos debatidos no 10º Congresso da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) realizado de 26 a 28 de abril no Hotel Embaixador, em Porto Alegre. O evento celebrou os 125 anos da imigração palestina e os 40 anos da entidade, com pronunciamentos do embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, e do embaixador e diretor geral do Departamento de Expatriados da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) Hussein Abdelhaliq. A cerimônia de abertura foi dirigida pelo presidente da Fepal, Elayyan Taher Aladdin.
O evento teve apresentações artísticas dos grupos folclóricos Terra e Hayal e debates. Na manhã de sábado, o professor da Fundação Getúlio Vargas Salem Nasser, doutor em Direito Internacional e especialista em Oriente Médio, abordou o tema “Questão Palestina: legitimidade, legalidade e justiça”. A analisar a situação do Estado Palestino sob a ótica do Direito Internacional, Nasser lembrou a desinformação que cerca o tema e criticou a postura do presidente brasileiro que, ainda na campanha, afirmou que “a Palestina nem estado é e tem até uma embaixada em Brasília”. O Brasil reconheceu a Palestina como Estado independente em 2010, seguindo uma política adotada na maioria dos países sul-americanos, dentro da estratégia da Autoridade Palestina de buscar legitimidade internacional para negociar um acordo de paz. As negociações foram interrompidas em 2014. Em 2018, com a transferência da embaixada americana de Tel-Aviv para Jerusalém por decisão do presidente Donald Trump, os palestinos deixaram de reconhecer os EUA como interlocutores. Bolsonaro, no entanto, buscou ampliar o diálogo com Israel, com os Estados Unidos e com a Europa.
Em visita a Israel, no início de abril, o presidente brasileiro anunciou a abertura de um escritório de comércio, tecnologia e inovação, ao contrário da intenção inicial de transferir a embaixada do Brasil de Telaviv para Jerusalém. E reforçou sua postura pró-Israel ao posar ao lado do premiê Benjamin Netanyahu no Muro das Lamentações e recusar um convite para visitar os territórios palestinos. Questionado sobre eventuais estremecimentos nas relações devido à postura e declarações do governo brasileiro, o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahin Alzeben, minimizou as agressões. “Nossas relações não se resumem ao comércio de carne e frango”, resume o decano do Conselho de Embaixadores árabes no país e representante de 17 países, inclusive da missão da Liga Árabe.
A visita do presidente brasileiro a Israel alterou de alguma forma as relações do Brasil com a Palestina?
Ibrahim Alzebem – As relações permanecem iguais, não houve mudanças. Simplesmente estamos acompanhando os desdobramentos da visita que, em algum momento, poderiam afetar nossas relações. Porém, posso dizer que, até o momento, as relações são boas e apostamos que elas seguirão boas e vão melhorar na medida em que se abre um diálogo com o novo governo sob a base de respeito mútuo; sob a base de interesses comuns, sob a base de respeito aos mandados do Direito Internacional. Eu posso lhe assegurar que essas relações são iguais. A embaixada Palestina segue funcionando cem por cento e também a embaixada brasileira em Ramala está funcionando cem por cento. Ramala funciona como a capital do Estado Palestino, embora desde 1947 Jerusalém Oriental seja reivindicada como capital oficial da Palestina e de Israel. A capital efetiva de Israel é Tel Aviv).
Os palestinos que vivem no Brasil não se sentem incomodados com a postura e as declarações do governo brasileiro?
Eu acho que esta pergunta deveria ser feita aos próprios palestinos que moram aqui. Mas, na minha maneira de entender são excelentes as relações, porque os palestinos que estão aqui são palestinos e são brasileiros ao mesmo tempo. É minha segunda vez aqui no Brasil, eu estive em 1989 até 1996 e desde 2008 até hoje. Num total de 17 anos e, no relacionamento com a comunidade palestina descobri que eles se sentem brasileiros. Sentem-se muito à vontade neste país e com excelentes relações. Não recebi nenhuma queixa quanto ao relacionamento, pelo contrário, eu sempre recebo elogios dos palestinos sobre o Brasil e elogios dos brasileiros sobre a presença dos palestinos aqui.
Existe alguma possibilidade de prejuízos nas relações com os países árabes pela postura pró-sionista adotada pelo atual governo brasileiro?
Na política não existe nada estático. Tudo pode mudar. E nós apostamos que as relações do mundo árabe devem melhorar, porque, em primeiro lugar temos uma longa história de amizade, temos a presença de uma comunidade árabe muito ativa que teve e tem uma presença muito importante na vida política, social e econômica, financeira. A comunidade árabe, em geral, é uma comunidade integrada, portanto, eu acho que temos mais para nos unir do que para separar. E eu confio que nossos governos, tanto árabes quanto o próprio governo brasileiro levarão isso em consideração. Nossa relação, insisto, como tenho feito em muitas ocasiões, vai além da carne de frango. Temos uma longa história de amizade e muitos interesses em comum.
Como está a situação na Faixa de Gaza atualmente?
A Faixa de Gaza, desde 1967 até o dia de hoje é um território palestino ocupado. Ocupado pela força militar como a própria Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Está bloqueada totalmente pelo exército israelense, por mar, terra e ar. Dizer que é um território livre. Não é verdade. É um território ocupado. É verdade que eles retiraram aquelas colônias de assentamentos que havia dentro do território. Mas fizeram eles reocupar suas posições, cercando cem por cento o território de Gaza, que está sofrendo um estado de calamidade, porque está faltando tudo naquele território por culpa da ocupação militar israelense. O Exército israelense faz excursões e bombardeios dentro do território contra ativistas palestinos, contra civis, contra crianças, contra todo o mundo.
O que o senhor espera dos brasileiros em relação a essa situação?
Uma maior compreensão dos nossos direitos e das nossas inquietudes. Maior compreensão de nossos anseios pela liberdade, pela independência, por recuperar nosso direito nacional que cria nosso estado. O Brasil foi o primeiro país chamado a apoiar a solução de dois estados para dois povos. Simplesmente porque quando a Assembleia Geral da ONU tomou a decisão da partilha, o autor e quem dirigia a Assembleia Geral da ONU era um brasileiro, o embaixador Oswaldo Aranha. Naquele tom, seu objetivo não era criar o Estado de Israel, era criar o Estado da Palestina e o Estado de Israel. Portanto o Brasil ainda está chamado para atuar direta e ativamente para a realização do Estado Palestino em solo pátrio.
Edição: Marcelo Ferreira