A sambista Beth Carvalho, que morreu na última terça-feira (30) aos 72 anos, foi velada no salão nobre da sede do Botafogo de Futebol e Regatas, no bairro de Botafogo, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro (RJ). O Botafogo era o clube de coração da cantora.
Com mais de 50 anos de carreira e com dezenas de discos lançados, Beth emprestou sua voz e ajudou a eternizar grandes sucessos da música brasileira como As Rosas Não Falam, Coisinha do Pai, O Show tem que Continuar, Saco de Feijão e Vou Festejar.
A sambista Tereza Cristina, que esteve no velório de nesta quarta-feira (1º), fez uma declaração emocionada: "Eu acho que ela ser velada no dia 1º de maio é muito significativo, sim. Foi embora trabalhando. Os nomes que a Beth trouxe para cena do samba, da música brasileira são importantes para a gente, e foi uma mulher que puxou tudo isso", ressaltou. "A gente hoje fica falando de Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Fundo de Quintal, e ela enxergou isso antes, quando eles ainda não tinham esse brilho que têm hoje. A Beth gravou de Noel e Ismael até Gabrielzinho do Irajá, e ela nunca teve vergonha de gravar coisas populares… Ela deu dignidade para estas pessoas", finalizou.
A cantora Zélia Duncan, também presente na despedida de Beth Carvalho, não escondeu a tristeza: "O Brasil está chorando. Beth era uma representante corajosa, de um talento raro, uma pessoa que contribuiu imensamente para a música brasileira, para o pensamento brasileiro, para a mulher brasileira, para essa coragem que a gente precisa ter para levantar de manhã", enalteceu. "Ela foi buscar as músicas que ela quis cantar. O repertório da Beth é o repertório de samba mais lindo do Brasil. Ela valorizou todos os artistas”, concluiu.
A causa da morte, segundo boletim divulgado pelo hospital, foi infecção generalizada. O velório ocorreu até as 16 horas e, em seguida, o corpo da cantora seguiu em cortejo no carro do Corpo de Bombeiros para o crematório no Cemitério do Caju, na zona norte da capital. No ano passado, Beth Carvalho, debilitada devido aos problemas de saúde, fez seu último show, ao lado do grupo Fundo de Quintal. Por causa da doença, ela se apresentou deitada, cantando seus principais sucessos.
Trajetória
Conhecida como "madrinha do samba", Beth ajudou a resgatar dois gênios da música brasileira ao gravar Cartola e Nelson Cavaquinho, que estavam sumidos na época. Também usou seu prestígio para revelar nomes como Zeca Pagodinho, visitou a quadra do Cacique de Ramos, no Rio de Janeiro, e se encantou com a roda de samba comandada por alguns daqueles que formariam, posteriormente, o Fundo de Quintal.
O grupo, com apoio de Beth, revolucionou o estilo musical, introduziu novos instrumentos no ritmo como tantã, repique e banjo, e mostrou para o Brasil talentos como Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Almir Guineto e Sombrinha, como relembra a cantora
A carreira da sambista começou na adolescência, quando aprendeu a tocar violão e a começou a compor. Chegou ao sucesso quando cantou a música Andanças no Festival Internacional da Canção, em 1968, e conseguiu o terceiro lugar.
Uma das grandes paixões da sambista era a escola de samba Estação Primeira de Mangueira. "Não só para Mangueira, ela representa muito para o mundo do samba. O mundo do samba perde, a MPB perde uma grande dama. O relacionamento da Beth com a Mangueira sempre foi ótimo. Nós adorávamos ela. Eu só tenho a lamentar, toda a nação mangueirense só tem a lamentar essa perda", afirma Gerônimo Luíz Belém da Costa, o Gerônimo Gegê, presidente da ala dos compositores da Mangueira.
A Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira divulgou uma nota de pesar pela morte de Beth Carvalho: "Com muita tristeza no coração, informamos a toda nação verde e rosa que nossa madrinha, Beth Carvalho, nos deixou essa tarde e foi para o andar de cima levar sua alegria junto aos mangueirenses Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Jamelão entre outros bambas do samba. Um dos mais importantes nomes do samba e voz que cantava com alma as cores de nosso pavilhão!", diz o texto.
O carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, disse que a obra de Beth Carvalho é tão grande que jamais morrerá: "O canto da Beth está vivo. O que a Beth canta é o Brasil de verdade, o Brasil que não faz distinção entre o morro e o asfalto. É o canto dos grandes compositores negros, das vidas negras que são fundamentais para a arte do Brasil".
A cantora também tinha uma participação política intensa. Identificada com o socialismo, ela participou da campanha pelas "Diretas Já" e era próxima do ex-governador Leonel Brizola. Nos últimos anos, se aproximou do PT, questionou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e pediu a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Ainda não caiu a ficha direito. Quem está indo embora? É a cantora, a guerreira, a Beth ativista, a pessoa de esquerda que ela sempre foi? Ela era corajosa. Uma pessoa que conviveu doze anos com dor e quis cantar até o último dia”, afirma Tereza Cristina.
O ex-presidente Lula (PT) enviou uma coroa de flores com os dizeres “O samba perde sua madrinha, o Brasil uma filha guerreira, e eu uma grande amiga. Gratidão para sempre. Lula”. Beth Carvalho também era próxima do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
“Esse é um momento muito triste para todos nós do MST. A Beth Carvalho em sua trajetória musical junto ao MST vem de muito longe. Na década de 90, ela gravou a música Ordem e Progresso para o disco que nós reunimos as canções que nossos compositores [do MST] fizeram ao longo da caminhada. Quando nós fizemos isso, em 1998, a Beth se propôs a participar. Ela participou dos momentos mais importantes das lutas sociais no Brasil”, explica Mineirinho, integrante do movimento.
*Com informações da Agência Brasil
Edição: Tayguara Ribeiro