É aterrorizante a quantidade de venenos sendo liberados todos os dias no país
Como alternativa ao agronegócio, o Assentamento 26 de Março, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), une a luta pela reforma agrária no país à defesa de um modelo sustentável de produção de alimentos no município de Marabá, no estado do Pará. Por meio de agricultura familiar, agroecologia e educação ambiental, os assentados desenvolvem um Sistema Agroflorestal (SAF) para recuperar o bioma amazônico e gerar renda.
Em dezembro de 2008, o Assentamento 26 de Março ressignificou meio século de monopólio agrário do castanhal Cabaceiras, primeira fazenda do país a ser desapropriada para fins de distribuição de terras. O território, durante propriedade da família de latifundiários Mutran, mantinha trabalho escravo, improdutividade e crimes ambientais como desmatamento, conta a assentada Giselda Coelho, que atua há quase 20 anos no Setor de Produção do MST. Hoje, o 26 de Março, localizado às margens da BR-155, conta com 206 famílias em uma área de quase 10 mil hectares.
“Com o processo de desmatamento pela pecuária e pelos fazendeiros, quando foi criado o assentamento tinha predominância de pastagem. Várias famílias continuam criando gado de leite, criando animais nessas áreas de pastagem, mas várias famílias optaram também por recuperar, reflorestar e ter como uma das prioridades essa questão da diversificação”.
Pelo menos 50 famílias do assentamento fazem consórcio com duas plantas, sendo a banana predominante. O consórcio é caracterizado pelo cultivo de duas ou mais culturas em uma mesma área simultaneamente. O cultivo de plantas companheiras é uma alternativa tecnológica para os pequenos agricultores, uma vez que a segunda planta se torna uma nova fonte de renda, aumenta a produtividade e contribui para o manejo ecológico de insetos e pragas.
O Sistema Agroflorestal foi implementado no assentamento há quatro anos e tem como propósito imitar a diversidade da floresta, com interação entre culturas frutíferas e florestais. Os lotes contam com cinco viveiros de mudas. Há ainda projetos de criação de peixe, galinheiros e apicultura, além de pocilgas, onde são criados porcos.
“Os sistemas agroflorestais podem ser mais simples, com uma diversidade menor, que é o que mais predomina, onde se tem três, quatro ou cinco plantas consorciadas. Mas, eles podem também chegar a um estágio --- que algumas famílias acabaram introduzindo --- que, nos primeiros anos, cultivam culturas anuais, introduzem o plantio de banana e também meio às frutíferas, que a predominância no assentamento hoje é de açaí e cupu. Mas, tem plantio também de cacau, acerola e outras frutas”.
A assentada se formou em Agronomia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Giselda ressalta que o Sistema Agroflorestal, desenvolvido em diversos acampamentos e assentamentos do MST, está diretamente ligado à segurança alimentar e qualidade de vida.
Segundo ela, a agrofloresta agrega valor econômico, social, ambiental e cultural, respeitando autonomia e saberes populares em relação ao que, como e quando produzir. A perspectiva é a contramão do modelo do agronegócio defendido pelo presidente da República Jair Bolsonaro (PSL).
“Essa questão da alimentação saudável, do que as pessoas têm procurado consumir, por exemplo, sem veneno, sem agrotóxicos. É aterrorizante a quantidade de produtos químicos e venenos que estão sendo liberados todos os dias no país”.
Giselda destaca que, para além da biodiversidade, o Sistema Agroflorestal também contribui para a construção de um microclima no assentamento. O período das chuvas está cada vez mais escasso na região, onde a seca perdura por quase metade do ano e dificulta a manutenção dos cultivos.
O sonho de recuperação do microclima está sendo plantado para reescrever um novo conteúdo na memória social de um castanhal de Marabá, trazendo chuvas abundantes, como nos velhos tempos.
A agrofloresta também pode ser uma alternativa agrícola interessante para o semiárido brasileiro e outras áreas ameaçadas pela desertificação, onde o sistema poderia contribuir para solos pobres e degradados.
Edição: Michele Carvalho