Disputa no Whatsapp

Dedeco e Chorão: o que pensam as lideranças dos caminhoneiros que rivalizam nas redes

Tentativas de cooptação por parte do governo Bolsonaro dividem a categoria e impedem avanço das pautas dos trabalhadores

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Lideranças protagonizam disputa interna que enfraquece a categoria
Lideranças protagonizam disputa interna que enfraquece a categoria - Marcelo Camargo / Agência Brasil

“Deu a entender que o governo estava criando uma liderança que ficasse sempre a favor e seja realmente marionete do governo [Bolsonaro (PSL)]”. Assim, Wanderlei Alves, 45 anos, conhecido como "Dedeco", uma das lideranças dos caminhoneiros forjadas no Whatsapp, fala sobre Wallace Landim, o "Chorão", outro que costuma falar à imprensa em nome da categoria.

As duas lideranças ascenderam no movimento após a greve que paralisou o país em maio de 2018, quando milhares de caminhoneiros cruzaram os braços e impediram o tráfego de pessoas e mercadorias nas rodovias brasileiras. Já naquela época, a categoria mantinha os sindicatos distantes das decisões do setor e se organizava a partir do Whatsapp. A metodologia, de aparente sucesso no ano passado, tem aprofundado os rachas no movimento, que se fragmenta a cada semana. Chorão afirma participar de “pelo menos 850” grupos de conversa no aplicativo. Dedeco diz não ser capaz de calcular.

Na busca por protagonismo, os dois representantes da categoria ocuparam espaços antagônicos na disputa por visibilidade dentro do movimento. Dedeco, com um discurso mais inconformado e inflamável, tem sido pouco recebido por representantes do governo, mas é exaltado por milhares de caminhoneiros. O condutor demonstra influência considerável sobre o movimento nas regiões Sul e Sudeste do país.

Por outro lado, Chorão, mais articulado junto aos meios de comunicação e ao governo federal, tem perdido espaço com a base da categoria, mas é visto em reuniões e nas redes sociais com ministros como Onyx Lorenzoni (DEM), da Casa Civil, Tereza Cristina (DEM), da Agricultura, e Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura. No Centro-Oeste, onde predomina o agronegócio, e Norte, são as regiões onde tem mais prestígio.

Ambos foram candidatos na última eleição, em outubro de 2018, surfando na popularidade conquistada durante a paralisação de um ano atrás. Dedeco, apadrinhado pelo senador Álvaro Dias (Podemos) se lançou, também pelo Podemos, para deputado federal pelo Paraná. Chorão, que tem a carreira política bancada por Ronaldo Caiado (DEM), governador goiano, disputou o mesmo cargo por Goiás. Nenhum deles se elegeu.

O governista

No último dia 22 de abril, Dedeco conseguiu ser recebido pela primeira vez pelo governo federal. Foi convidado para uma reunião com o ministro Tarcísio Freitas. Após quatro horas de conversa, os caminhoneiros foram convencidos a não entrar em greve. A promessa feita pelo Palácio do Planalto é de que as empresas que descumprirem a tabela do frete, conquista da categoria na greve de 2018, serão denunciadas no site da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

A reunião na Esplanada dos Ministérios foi necessária para acalmar os ânimos do grupo liderado por Dedeco. Cinco dias antes, em 17 de abril, Chorão havia se encontrado com Tarcísio Freitas e Tereza Cristina. Após a reunião, o caminhoneiro transmitiu em suas redes uma mensagem dos representantes do governo se comprometendo com o cumprimento da tabela de fretes. No mesmo dia, a ministra da Agricultura disse a jornalistas que a “tabela do frete não veio para ficar”, revoltando parte da categoria e constrangendo o representante do setor.

“Ela defende o dela, nós defendemos o nosso. Hoje, nós estamos na UTI, e estamos buscando esse remédio para salvar a categoria enquanto tem tempo, através do diálogo. Hoje, nós temos diálogo com o governo, todo mundo vê que estamos dialogando”, afirma Chorão.

Para Dedeco, o episódio reforça a tese de que o governo teria escolhido Chorão para “passar recados” à categoria e mostrar adesão ao discurso governista. “O Onyx [Lorenzoni], no meu ponto de vista, tentou criar uma liderança pra ficar do lado dele, [mostrando] que tudo estava bom, e aqui na ponta não estava nada bom. Eu sou caminhoneiro, [e sei que] não está bom. A imagem que ele passava é que estava tudo bem, um mar de rosas, e nós sofrendo aqui". O condutor afirma que, se houver paralisação, ela será batizada de "Greve Onyx Lorenzoni."

Sem negar os privilégios e os acessos que têm na Esplanada dos Ministérios, Chorão legitima a intervenção de Lorenzoni, é contra qualquer formato de paralisação e defende as posições do Planalto nas negociações. “A gente conseguiu um canal de diálogo com o governo e percebemos que o governo está trabalhando e fazendo a parte dele. Aí, tem pessoas que não participam, que não estão em Brasília, não participou do movimento, que quando veio aqui, entrou na sala, tirou uma foto e saiu. Agora, essas pessoas querem mídia”, acusa.

 

Nos grupos de Whatsapp, Chorão passou a ser atacado por seu posicionamento pró-governo 

O compromisso estreito com o governo transformou Chorão em um alvo fácil para a categoria. O caminhoneiro passou a ser atacado em suas redes sociais e no Whatsapp. “Esse chorão não me representa”, afirma um integrante dos grupos no aplicativo. Para outro “a esquerda está por trás do Chorão. Fiquem atentos”, alerta.

Em segundo plano

Enquanto o Executivo federal tenta interferir nos rumos da categoria, as pautas apresentadas pelos caminhoneiros para a melhoria nas condições de trabalho seguem em segundo plano. Na principal delas, a luta pela manutenção do preço do diesel, os condutores sofreram um duro golpe. No último dia 17 de abril, a Petrobras confirmou o aumento de R$ 0,10 no litro do combustível, ou 4,8%. O preço passou para R$ 2,24, muito próximo dos R$ 2,26 que estavam previsto para 12 de abril -- o reajuste não ocorreu após intervenção direta de Jair Bolsonaro na estatal.

O Projeto de Lei que regulamenta a política de frete mínimo para transporte rodoviário de carga, subordinada a ANTT, foi uma das conquistas da paralisação dos caminhoneiros em 2018, mas não está sendo cumprido pelos contratantes, de acordo com os condutores.

Sobre a subalternização das pautas à agenda do governo e ao entrave político entre os protagonistas, Chorão se defende. “Eu foco na pauta da categoria, pelo que estamos lutando e buscando. Não vejo essa questão de divisão. Todo mundo está num objetivo só, que é trabalhar pelos nossos direitos. Eu tô trabalhando e estou com a porta aberta dentro do governo para buscar esse objetivo o mais rápido possível”.

Dedeco segue a mesma linha: “Existem pessoas que lutam pela classe e outras que têm interesses próprios. Eu sou um cara que luta pela classe. Existe um ego e jogo de interesses de um lado, e de outro não. Eu sou um cara que já peitou três governos, o da Dilma [Rousseff (PT)], do [Michel] Temer (MDB] e agora o do Bolsonaro. Fiz isso porque sou classe, eu não luto por ideologia política. Eu luto pela classe”.

Enquanto trafegam pelas rodovias que levam a Brasília, a paralisação, desejada por parte da categoria, segue sendo um assunto espinhoso para os líderes do movimento. "Nesse momento, não há clima. Mas se não for cumprido o que nos prometeram, nós podemos parar o Brasil em três dias", afirma Dedeco.

Chorão rebate: "Nós estamos trabalhando. Se ele para em três dias, ótimo. Agora, a gente vai ver se para. Essas mesmas pessoas que dizem que param, estavam chamando para a greve no dia 30 [de março]. O objetivo nosso não é dividir a categoria, coisa que o pessoal está colocando aí. Me objetivo é unir e seguir em frente em prol da categoria. Se eles quiserem me ajudar, ótimo", finaliza

O Brasil de Fato procurou a Casa Civil, por meio da assessoria de imprensa, para que o ministro Onyx Lorenzoni respondesse às acusações de Dedeco. Até o fechamento da matéria, não houve resposta.   

Edição: Daniel Giovanaz