O ano é 2000, isso, 19 anos atrás. Eu estava no ensino médio e o clima entre muitos foi o de que estávamos concluindo os estudos. Sim, não estava na ordem do dia continuar em uma faculdade ou universidade. Estes espaços não eram pauta nem entre os alunos e nem entre os professores. O objetivo era conseguir um emprego e seguir a vida. Na periferia, universidade era algo tão distante que citar o desejo de estudar em uma virava motivo de piada na roda de amigos.
Esse sentimento não era à toa e sim parte de uma estratégia em ação desde o início da educação e das instituições superiores no Brasil, datada do início no século XIX. Universidade com interesse de formar sua elite. Desde então, assim seguiu essa visão de que a universidade é para apenas um lado da cidade, enquanto os cursos tecnicistas se destinavam para o outro, como argumento de atender ao “Mercado”.
Contudo, essa de que o emprego possibilitava a mobilidade social cai por terra uma vez que estudamos menos, ganhamos menos e sobrevivemos com um salário que mal paga as contas. Por outro lado, existia um capital intelectual pensante, com o triplo de tempo nos estudos, que galgava os melhores postos de trabalho.
Muitos debates se deram sobre a possibilidade de expansão da universidade a todos. O sonho de Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro foi contestado historicamente com argumentos de que a expansão do ensino superior pela classe média seria um equívoco, pois estas não atenderiam à missão da universidade de transmitir a cultura no seu mais alto nível.
Não por acaso, o então ministro Vélez Rodríguez chegou a citar publicamente: “A ideia de universidade para todos não existe” e emendou: “As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual”.
Só pós-2003 que minha geração começou a enxergar a universidade como espaço de possibilidades. Vide Prouni, cotas, expansão dos polos e campus e a criação dos Institutos Federais. O sonho do filho do trabalhador virar doutor começava. E não à toa que, segundo pesquisa feita pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a quantidade de estudantes das classes D e E em universidades federais brasileiras aumentou entre 2010 e 2014. Enegrecemos a universidade, e aqueles que antes só chegariam a ser engrenagem braçal nela estavam sentados de igual para igual na cadeira, formulando e produzindo conhecimento.
Este movimento provocou e provoca até hoje a ira da elite e é isso que está em jogo. Não podemos deixar passar batido.
A proposta de corte nas universidades é criminosa e não só inviabiliza a existência de muitas delas, como tem uma estratégia bem direcionada: voltar a reduzir o seu acesso a uma parcela da população, a elite.
Ora, não estamos desconsiderando todo o conjunto, mas é claro que quando se propõe fazer cortes, os que mais sofrem são justamente os que têm dificuldade em se manter nessas instituições. Passamos, chegamos, ocupamos, mas o desafio da permanência é outra etapa a ser vencida e, ao invés de se investir mais, eles querem reduzir, a fim de nos tirar este sonho.
Com os cortes, terceirizados são demitidos, estagiários são dispensados, corta-se as bolsas permanência, as de iniciação científica, aumenta-se o valor dos restaurantes universitários e esmaga 66,19% dos estudantes que vêm de famílias cuja renda não ultrapassa 1,5 salário mínimo per capita (R$ 1.320), conforme dados da Andifes.
A política de corte de recursos nas universidades é a manutenção da estratégia Temer. Sucatear para entregar.
A presença da periferia na universidade é uma luta histórica, acumulada desde a defesa das cotas raciais, sociais e para alunos da rede pública. Nossa permanência nesse ambiente é necessária, somos quase sempre os primeiros das nossas famílias a acessar o nível superior, passamos diariamente por desafios para conseguir nos formar, pesquisar e construir as nossas narrativas.
Nessa conjuntura de fortes ataques contra o povo, somos os mais afetados pelas medidas do desgoverno de Jair Bolsonaro. Por isso, não podemos ficar parados, nossa mobilização é urgente para defender direitos. A periferia é o centro e todos os periféricos precisam se unir para resistir.
Resistam!
*Max Maciel é pedagogo, especialista em Gestão de Políticas Públicas e consultor da Rede Urbana de Ações Sócioculturais (RUAS)