Pelo quarto mês consecutivo, a taxa de famílias endividadas no Brasil ultrapassa a marca dos 60%. Em abril deste ano, a parcela de devedores, em atraso ou não, registrou 62,7%, sendo o patamar mais expressivo desde setembro de 2015, quando o número de endividados foi de 63,5%. O índice de famílias que declararam não ter condições de pagar suas contas também subiu de 9,4% para 9,5% entre março e abril.
Os dados são da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada nesta terça-feira (7) pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O estudo é feito mensalmente desde janeiro de 2010. Os dados são coletados em todas as capitais dos Estados e no Distrito Federal, com cerca de 18 mil consumidores.
Para Juliane Furno, doutoranda em Desenvolvimento Econômico na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mais do que um impasse econômico, o endividamento é um problema social e coletivo, visto que atinge mais de 50% da população. Segundo a pesquisa, a inadimplência é maior entre os mais pobres. Na faixa de menor renda, o contingente de famílias com contas ou dívidas em atraso passou de 26% em março para 26,7% em abril.
“As pessoas que estão com o nome sujo, endividadas, isso tem um peso social importante, porque não se sabe como vai comer no próximo dia, se vai conseguir continuar morando em algum lugar ou vai ter que morar na rua, mas também tem uma dimensão econômica importante”.
As dívidas são relacionadas com cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, cheque pré-datado, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro. De acordo com o levantamento, o cartão de crédito é o maior vilão dos entrevistados, com a marca de 77,6%.
A pesquisa também constatou um crescimento na quantidade de famílias com dívidas ou contas em atraso. A taxa de inadimplência, que foi de 23,4% em março, alcançou a marca de 23,9% em abril.
Ao passo que aumenta o endividamento das famílias, a estimativa de crescimento econômico do Brasil diminui. O consumo das famílias é o principal motor do Produto Interno Bruto (PIB), medida que quantifica a atividade econômica do país. Portanto, se a população está endividada, não há renda para consumir. A demanda das famílias tem um peso de 64% no cálculo do PIB brasileiro, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As projeções do mercado financeiro também não são animadoras: na décima baixa consecutiva, o crescimento da economia brasileira em 2019 caiu de 1,7% para 1,49%, de acordo com a pesquisa semanal Focus, divulgada pelo Banco Central (BC) nesta segunda-feira (6).
Desemprego crescente e economia patinando
Para solucionar a questão do endividamento das famílias, Juliane argumenta que o Estado brasileiro deveria pensar em políticas de facilitação de crédito para as pessoas conseguirem negociar e pagar suas dívidas. Ela aponta que o desemprego é o principal responsável pelo aumento dos devedores.
“Concretamente, o Estado não consegue criar nenhuma política pública de aumento do emprego, que seria um elemento para diminuir o endividamento, nem de reparcelamento das dívidas, porque isso envolveria enfrentar o sistema financeiro brasileiro do qual é um financiador das grandes campanhas da direita, é o sustentáculo do governo [de Jair] Bolsonaro [PSL] no Brasil, então com os bancos ele não mexe”.
“Nas séries históricas, toda vez que o desemprego no Brasil está baixo, o índice de endividamento também acompanha a baixa. E, sempre que o desemprego aumenta, o número de endividamento das famílias também aumenta”, esclarece a doutoranda.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) divulgados pelo IBGE no último dia 30, 12,7% dos brasileiros estão desempregados. Com isso, mais de 1,2 milhão de pessoas entraram para a população desocupada no primeiro trimestre do ano, na comparação com o último trimestre de 2018. Juliane ressalta que os 13,4 milhões de desempregados apontados pela pesquisa não representam a totalidade da desocupação no país.
“Quando a gente leva em consideração [outros] dois elementos, a pessoa que é subutilizada, ou seja, que teria condições físicas e mentais de trabalhar 44 horas semanais, mas que foi ocupada com uma hora ou duas horas na semana, ou a pessoa que não procurou emprego porque já está desalentada, o número de desempregados seria de aproximadamente 23 milhões”.
A categoria conhecida como desalento foi criada nos anos 1980, no surgimento da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e da Fundação Seade. O desalento caracteriza as pessoas que desistiram de procurar emprego, por desestímulo ou outras circunstâncias, como a falta de dinheiro para a condução.
Juliane destaca que a ausência de ocupações e os crescentes empregos precários e informais colaboram para o aumento de pessoas endividadas. Com a recessão econômica e os reflexos da reforma trabalhista, o quadro deve piorar, alerta a doutoranda.
“Em 2017, pela primeira vez, o número de trabalhadores informais superou o número de trabalhadores formais, um contingente de cerca de 20 milhões de pessoas que trabalham em empregos informais, que também contraem dívidas sem uma garantia concreta de que vão ter emprego nos próximos meses para poder honrar essas dívidas”.
Edição: Aline Carrijo