Os dados foram publicados pela Agência Pública de Jornalismo Investigativo, tendo como base estimativas de associações de apicultores, secretarias de agricultura e estudos realizados por universidades. A utilização indiscriminada de venenos agrícolas está colocando em risco a existência de abelhas e outros insetos polinizadores essenciais à manutenção da vida.
Aliada à alta toxidade dos químicos, a ação humana irresponsável no manejo e aplicação inadequados agravam ainda mais o crime. Iniciativas vem se somando, pesquisadores têm conseguido identificar as substâncias e os primeiros movimentos junto à justiça estão finalmente encontrando amparo e atenção em relação ao problema.
Um passo importante nessa luta partiu do pequeno município de Mata, 5 mil habitantes, localizado na região Central do RS. Ali, em outubro de 2018, mais de 20 milhões de abelhas foram mortas. “A abelha é vida, sem elas não somos nada”, afirma o representante dos apicultores e meliponicultores do município, Jaílson Mack Bressan, relembrando o importante papel que a abelha possui na polinização de inúmeras espécies vegetais e por consequência ao equilíbrio do ecossistema.
Para o produtor, além dos prejuízos financeiros causados pelo extermínio das abelhas de mais de 480 colmeias e a contaminação por venenos agrícolas de uma área de aproximadamente 18 quilômetros quadrados, também se deve ter atenção para a possível contaminação dos solos, cursos de água e até mesmo pessoas. O fato novo registrado a partir de Mata é o resultado de laudos científicos que confirmam as substâncias responsáveis pelo extermínio das abelhas, materializando as denúncias protocoladas junto à Polícia Civil, à divisão de proteção Ambiental da Brigada Militar e órgãos reguladores.
Níveis de agrotóxicos são abusivos
Responsável pelo laudo, o cientista PhD em Ecologia Antonio Libório Philomena é assertivo em suas conclusões: “O resultado das análises químicas efetuadas no mel, nas abelhas, nas crias e nos favos confirma a contaminação por níveis abusivos de agrotóxicos, sendo 2 inseticidas e 3 fungicidas”. Segundo o documento, foram encontradas nos favos com mel as substâncias Axoxistrobina, Diflubenzuron, Tebuconazol e Fipronil; nos favos com abelhas foram encontradas as substâncias Azoxistrobina e Aletrina; enquanto nas abelhas foram encontradas as substâncias Azoxistrobina, Diflubenzuron e Fipronil.
Philomena alerta ainda que a contaminação é sistêmica e múltipla, não afetando apenas as abelhas e sim toda a vida que está estabelecida na área. “As abelhas e outros polinizadores servem como espécies indicadoras da saúde dos ecossistemas e consequentemente da saúde humana”, explicou, reafirmando que novas análises precisam ser feitas levando em conta a provável contaminação de outras formas de vida presentes na área, inclusive seres humanos.
Simpósio Internacional debate a mortandade de abelhas
Durante o Simpósio Internacional Sobre Mortandade de Abelhas e Agrotóxicos, promovido pela APISBio (Articulação para a Preservação da Integridade dos Seres e da Biodiversidade) e pela APISMA (Associação dos Apicultores e Meliponicultures de Mata), mais de duas dezenas de entidades e organizações parceiras reuniram-se para debater o tema e apresentar uma representação conjunta ao Ministério Público Estadual (MPE/RS).
Atualmente o assunto está sendo tratado junto ao Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (Caoma) do MPE/RS e providências são esperadas para breve. Ainda em maio o Ministério Público Federal também deverá ser acionado pelo grupo, através de uma nova representação que busca a abertura de inquérito civil público e propõem ação civil pública e ação penal junto à toda cadeia de responsabilidade que envolve utilizadores, aplicadores, revendedores, distribuidores, importadores e fabricantes.
“Acreditamos que a partir daqui vão se desencadear ações importantes, queremos levar esse debate a todo o país, articular a sociedade civil cumprindo o princípio da participação e da informação que constam na Constituição Federal”, expressou o jurista Renato Barcelos, um dos articuladores da representação, arrematando com uma frase de efeito que chama por mobilização: “Temos que enfrentar esse problema de forma conjunta, porque só assim ele poderá ser vencido!”.
Para saber mais
O Coletivo Catarse produziu a vídeo-reportagem “Medo da Primavera – uma hecatombe em andamento”, disponível em seu canal no Youtube e demais redes sociais. No audiovisual estão depoimentos de camponeses vitimados pela aplicação criminosa de venenos agrícolas na região central do RS, entre os municípios de Mata e Santiago. Assista.
Este conteúdo foi originalmente publicado na versão impressa (Edição 14) do Brasil de Fato RS. Confira a edição completa.
Edição: Marcelo Ferreira