Com menor índice de participação desde 1994, a África do Sul realizou, na semana passada, a sexta eleição geral desde o fim do apartheid no país. Apesar de sair vitorioso, o Congresso Nacional Africano (CNA), partido do atual presidente Cyril Ramaphosa, registrou seu pior desempenho em eleições gerais desde o fim do regime de segregação racial. Com 57,5% dos votos válidos, o resultado refletiu o aumento da insatisfação da população com a desigualdade, o desemprego e as políticas do governo.
Ramaphosa assumiu efetivamente a presidência da África do Sul em fevereiro de 2018, depois que o então mandatário Jacob Zuma renunciou em meio a uma série de escândalos de corrupção. Garantindo mais um mandato de cinco anos, o atual presidente dará continuidade a 25 anos de hegemonia do CNA. A primeira vitória do partido marcou também a primeira eleição após o fim do regime do apartheid, quando Nelson Mandela foi eleito presidente.
O pleito deste ano foi realizado na quarta-feira (8) para eleger os representantes de legislaturas provinciais e da Assembleia Nacional, que escolhe o presidente. A participação foi baixa, 66%, em comparação a eleições anteriores, todas com mais de 70% de participação. O voto não é obrigatório na África do Sul.
Além de ter o desempenho mais fraco de sua história recente, o CNA também perdeu 19 assentos na Assembleia Nacional, mas ainda assim garantiu a maior bancada na casa.
A Aliança Democrática, de centro, também teve desempenho inferior ao das últimas eleições, com 20,7% dos votos, mas se manteve como principal força de oposição ao governo. Logo atrás vem o Lutadores pela Liberdade Econômica, de esquerda, com 10,8% dos votos, crescendo quatro pontos percentuais com relação ao último pleito.
Foi também expressiva a abstenção entre eleitores entre 18 e 29 anos, com o menor índice de participação nessa faixa etária em pelo menos dez anos. A estatística é considerada alarmante, e poderia indicar a apatia da população jovem, maior grupo populacional do país, diante da política institucional. A taxa de desemprego entre jovens de 15 a 24 anos chegou a quase 55% no último trimestre de 2018.
Alguns dos maiores temas que pautaram a corrida eleitoral foram a desigualdade, o desemprego e a urgência de uma reforma agrária que consiga combater o legado ainda vivo do regime do apartheid, que impediu por décadas o acesso de pessoas negras à terra.
CNA
O governo do CNA de hoje não é o mesmo de quando Mandela chegou ao poder. Os programas sociais implementados no primeiro mandato para equilibrar a economia e combater a desigualdade social, espacial e racial promovida durante mais de 40 anos de apartheid foram dando lugar a políticas privatistas e voltadas para o mercado, sem conseguir combater a desigualdade no país.
Um marco para muitos foi o assassinato, pela polícia federal do país, de 34 trabalhadores da mineração no que ficou conhecido como o Massacre de Marikana. A maior chacina do novo período democrático aconteceu em 2012, quando os mineiros faziam uma greve em uma mina da Lonmin, que tinha Ramaphosa na diretoria. O crime foi considerado um colapso no acordo institucional que apaziguou a segregação racial na África do Sul.
O Sindicato Nacional dos Metalúrgicos da África do Sul (Numsa), por exemplo, foi uma das forças populares que decidiu traçar um novo curso, deixando a aliança liderada pelo CNA e iniciando um processo de formação de uma federação sindical independente. A mais recente conquista do Numsa foi o lançamento do Partido Socialista Revolucionário dos Trabalhadores (SRWP) em abril deste ano. O partido conquistou quase 24,5 mil votos, representando 0,14% na eleição de quarta-feira.
Desigualdade
O regime de segregação racial deixou um legado que ainda impacta grande parte da África do Sul, hoje com alguns dos maiores índices de desigualdade do mundo. Enquanto a população branca constitui apenas 10% dos habitantes do país, quase uma em cada três pessoas de classe média e duas em cada três pessoas da elite são brancas. Já entre a população negra, que representa 80% dos sul-africanos, apenas metade está na classe média, segundo um relatório do Banco Mundial publicado em 2018.
A reforma agrária também é um tema importante para os sul-africanos, diante de uma realidade ainda desigual no que se refere à propriedade da terra. Um relatório de 2017 do Departamento de Desenvolvimento Rural e Reforma Agrária da África do Sul revelou que 72% das terras agricultáveis estão nas mãos de proprietários brancos, e o mesmo índice também representa o número de proprietários do sexo masculino.
Com mais de 55 mil membros, o movimento de moradores de favelas Abahlali baseMjondolo (AbM) é uma das organizações mais importantes na luta pelo direito à moradia digna no país, onde a questão da terra continua sem solução, mesmo após 25 anos sob o comando do Congresso Nacional Africano.
O AbM chamou a população a não votar no CNA no pleito da semana passada. Em um comunicado à imprensa divulgado na terça-feira (7), um dia antes da eleição, o movimento afirmou que o voto no partido é um voto na repressão, na expropriação violenta, na morte, “um voto no capitalismo, para que a terra seja distribuída com base no dinheiro, não na necessidade”.
Edição: Aline Scátola