No início de maio, ataques cometidos por forças de segurança de Israel deixaram ao menos 25 palestinos mortos. A investida faz parte da maior escalada da violência na região desde 2014, quando as agressões israelenses mataram 2.251 pessoas, entre elas, 1.452 civis.
As tensões ocorrem desde que o Estado de Israel foi criado, em 14 de maio de 1948. A declaração de independência do país, que completa 71 anos nesta terça-feira (14), marca o início de uma série de expulsões, tomada de territórios e ataques contra os palestinos.
Na época, mais da metade da população que vivia na região teve que sair de suas casas ou fugir para os países vizinhos. A diáspora é chamada pelos palestinos de Al Nakba (a catástrofe). A data é relembrada anualmente no dia 15 de maio. Por isso, novas manifestações são esperadas nesta quarta-feira (15).
Além disso, a transferência da embaixada dos Estados Unidos em Israel de Tel Aviv para Jerusalém completa um ano também nesta quarta. A inauguração da sede diplomática gerou uma série de protestos que foram duramente reprimidos pelas forças de segurança israelenses.
Segundo a ONU, 189 pessoas morreram durante as manifestações que ocorreram em 2018, entre elas, 35 crianças, dois jornalistas e três paramédicos.
O jornalista Yan Boechat, que cobriu a onda de protestos em Gaza, disse que a principal mensagem enviada por Israel durante as manifestações foi a de que “eles não se importam com as resoluções da comunidade internacional na ONU e que estão determinados a manter suas conquistas, custe o que custar”.
Boechat afirma que antes de chegar nos protestos pensava “que os tiros eram disparados a esmo quando as pessoas se aproximavam da cerca. No meu primeiro dia ali fui equipado com meu colete e as placas balísticas que ampliaram seu nível de proteção, além de um capacete balístico”.
No entanto, segundo ele, já no início da cobertura “deu para perceber que não havia bala perdida. Os soldados usavam armas de precisão e atingiam apenas quem eles queriam atingir e como eles queriam atingir. Presenciei dezenas de pessoas sendo baleadas nas duas pernas com só uma bala. Ou seja, os soldados esperavam que a pessoa estivesse no ângulo certo para fazer o disparo e acertar as duas pernas só com um tiro. Também não havia padrão nas vítimas. Não precisavam estar arremessando pedras ou próximos da cerca”.
Boechat conta ainda que “percebeu que nenhum jornalista estrangeiro havia sido baleado. Basicamente eles sabiam quem era estrangeiro e quem era palestino. Então, a partir daquele dia, usei apenas o colete sem as placas, para marcar minha identificação como jornalista”.
Em fevereiro de 2019, uma comissão da ONU lançou um relatório que afirma que Israel cometeu crimes contra a humanidade e crimes de guerra ao reprimir as manifestações. Segundo a investigação, mais de 6 mil civis desarmados foram atingidos por militares.
Segundo Sara Hossain, pesquisadora que fez parte da comissão, “não pode haver justificativa para matar e ferir jornalistas, médicos e pessoas que não apresentam ameaça iminente de morte ou ferimentos graves aos que estão ao seu redor”.
Entenda o histórico
A reivindicação pela criação do Estado de Israel começou a ganhar força a partir da publicação de O Estado Judeu, de Theodor Herzl, livro que representa o ponto de partida do movimento sionista.
Na virada entre os séculos 19 e 20, fugindo das perseguições que ocorriam na Europa, um grande número de judeus passou a migrar para a região da Palestina. A movimentação aumentou ainda mais durante a Segunda Guerra Mundial.
Em maio de 1947, como uma tentativa de solucionar as tensões que tiveram início com o fluxo migratório, a recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) elaborou, a pedido do Reino Unido, um plano para dividir o território palestino.
A região era administrada pelos britânicos desde 1920 e o plano sionista de estabelecer um “lar nacional” já havia recebido apoio do Reino Unido em 1917 com a Declaração Balfour.
Em novembro de 1947, a Assembleia Geral aprovou um plano de partilha da Palestina, recomendando a criação de um Estado árabe independente e um Estado judeu. Jerusalém, cidade considerada sagrada por muçulmanos, judeus e cristãos, ficaria sob controle internacional.
A divisão propunha que os muçulmanos ficassem com 45% dos territórios, embora sua população fosse cerca de três vezes maior. Os judeus ficariam com 55%, o que incluía a maior parte das terras férteis. Eles aceitaram a proposta, enquanto os palestinos, que já viviam na região antes do fluxo migratório, rejeitaram.
“A catástrofe”
Após o fim do mandato britânico na Palestina, Israel declarou independência. A criação do estado gerou reações imediatas: no dia seguinte, Egito, Jordânia, Síria e Iraque invadiram o novo território, dando início a primeira guerra árabe-israelense. Após o fim da guerra, Israel ocupou uma grande parcela dos territórios palestinos, reduzindo pela metade o que havia sido definido pela ONU como terras do Estado árabe.
Para o pesquisador em relações Internacionais Arturo Hartmann, as manifestações que marcam a Nakba, servem como “contrapeso à criação do Estado de Israel. É a reivindicação daqueles que foram derrotados, mas não foram exterminados. [É] a simbologia dessa memória, da destruição física, da destruição das vilas, dos corpos, e, principalmente, de uma sociedade coesa”.
Em 1967, ocorreu a batalha que causou as mudanças mais drástica na região. A chamada Guerra dos Seis Dias representou uma vitória esmagadora de Israel frente a coalizão árabe.
Após o confronto, Israel passou a ocupar a Faixa de Gaza e a Península do Sinai, localizadas no Egito; a Cisjordânia, incluindo a parte oriental de Jerusalém, na Jordânia; e as Colinas de Golã, na Síria. Neste período, cerca de meio milhão de palestinos fugiram da região.
As ocupações dos territórios palestinos por Israel são condenadas pela ONU e por diversas organizações de direitos humanos.
Primeira antifada e acordos de paz
Em 1987, teve início a primeira antifada, levante palestino contra a ocupação israelense. Os confrontos se arrastaram por anos, deixando centenas de mortos. Em 1993, foi assinado um acordo de paz entre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), liderada por Yasser Arafat, e Israel.
Nos termos do acordo, a organização palestina afirma que renunciava à “violência e ao terrorismo” e reconhecia o direito de Israel de “existir em paz e segurança”. O pacto, conhecido como acordos de paz de Oslo, é contestado por diversos pesquisadores e organizações.
“Desde o começo do processo, em 1993, até hoje, Israel participa da produção da violência contra os palestinos. Israel não tomou atitudes para melhorar a situação em relação aos palestinos ou em relação ao confronto. Não caminhou, de um ponto de vista genuíno, para solucionar ou fazer parte da solução da questão palestina”, afirma Hartmann.
Segundo ele, “a sociedade israelense foi se tornando mais violenta, ou os setores políticos foram se tornando mais corajosos, fazendo coisas que há 10 anos não se podia, nem há 20, 30 anos. Agora você não tem mais obstáculos para exercer a violência. Na verdade, você tem sustentáculos econômicos e apoio político para esses projetos”.
Edição: Aline Carrijo