A exportação de commodities representa a base da economia nacional. Soja e minério de ferro são os principais produtos da balança comercial, o que não representa a possibilidade de horizonte de desenvolvimento para o país. Muito pelo contrário, aprofunda a condição colonial como exportador de produtos primários, concentra terra, renda e socializa todo tipo de desgraça ambiental para o conjunto da sociedade, como os crimes ocorridos em Mariana e Brumadinho/MG, e Barcarena/PA.
Na avaliação de Charles Trocate, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração-MAM, o modelo colapsou e a sociedade necessita de criar alternativas.
Confira a entrevista na íntegra:
Qual o pano de fundo da atual fase da indústria da mineração no Brasil?
Charles Trocate: Há muitas transformações no interior da sociedade e na organização do sistema mundo capitalista e sua rede ideológica estimulando a inevitabilidade do capital, redução do estado, privatização e leis de mercado. Toda essa austeridade sistêmica provocou reações atípicas numa mineração industrial fundada no pós-guerra com agitações políticas de âmbito nacionalista que marca o nascimento da CVRD como empresa estatal.
Se pensarmos que todas as empresas eletrointensivas e poluentes estão alocadas no sul e não no norte do globo, isso tem como questão de fundo, a razão de sermos uma sociedade submetida pelo capitalismo periférico e dependente e, portanto, produtores de matéria prima para as economias industrializadas.
Nesse sentido, o que está por trás dessa fase destrutiva da mineração é uma tríade, que desmontou a primeira e que se inicia nos anos de 1990, suas raízes mais evidentes a meu ver, são o Plano Econômico Real de 1994, quando hipotecamos os nossos recursos naturais em nome do equilíbrio da balança comercial e geração de superávit primário, porque, convenhamos o [Fundo Monetário Internacional-FMI] não emprestaria dinheiro para nos livrar da hiperinflação que tem origem na ditadura militar, caso o Brasil não efetivasse uma segurança jurídica aos capitalistas transacionais. Seguido disso, vem a Lei Kandir, de 1996, que isenta de pagamento de imposto todo produto para exportação. É esta lei que vai originar a crise do pacto federativo como também a crise fiscal dos estados exportadores, assim como dela também deriva a PEC do congelamento dos gastos públicos quase 20 anos depois, em 2017 durante o governo Temer.
Veja, se situamos a mineração em dois parâmetros, de um lado ela está estruturada apenas para gerar equilíbrio da balança comercial, e não desenvolvimento local e regional como se disseminam, estas regiões ficam fora da maior parte da renda da mineração e do outro a maximização dos lucros transacionais com a existência de uma lei como é a Lei Kandir, além de um conjunto de substantivos jurídicos, grandes incentivos fiscais, sonegação de imposto e evasão de divisas.
E por fim, no que estou querendo afirmar, entra o terceiro fator, que é a privatização da CVRD em 1997, que em maio, dia 6 agora, completou 22 anos da sua transferência para o capital financeiro animada pelo ideário da economia de mercado. A falta, mesmo com todos os limites do estado brasileiro, de um maior controle, colabora de maneira contundente para a flexibilização das leis ambientais para empreendimentos da Vale SA. e das suas associadas e por outro lado, transforma a obtenção do lucro extraordinário dos acionistas num vale tudo. Devemos mirar nesses pressupostos que estruturam essa fase, a luta de classes na mineração do território ao mundo do trabalho, a transformação e a circulação do objeto industrial passam por estes sustentáculos.
Mas esse sistema não entrou em colapso em menos de três décadas?
É possível dizer que sim, em parte, mas continua sem controle. As transformações nas economias globais, a busca pelo controle das fontes energéticas do globo entre EUA e a China, impuseram à África e a America Latina, e nesse caso, com destaque para o Brasil, um super ciclo de mineração. É a exterioridade sistêmica. Estudos apontam que a atividade minerária cresceu dos anos de 2oo3 a 2o12 aproximadamente 460% e desse ponto vista sim, colapsou e entrará em derretimento. É incalculável o desperdício de natureza que essa fase produziu, só em três eventos poderíamos assinalar esse colapso: vazamentos de poluentes no polo petroquímico em Barcarena no [PA], rompimentos de barragem em Mariana e agora Brumadinho em [MG]. São rupturas metabólicas impossíveis de mensurar e valorar em finanças.
No entanto é necessário dizer que colapsou em parte, no complexo do eixo sul da mineração, que compreende os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Nessa região a mineração, ou a minério dependência dilui na economia e na política alternativas que não passe pela condenação, e isto, às vezes implica deixar de ser, desaparecer, de quem ganhou com isso. As chantagens [antigas e recentes] das mineradoras devem ser questionadas pela mobilização popular pela saída da economia do minério dependência.
Na ponta desse colapso está à ampliação do sistema norte, a mineração na Amazônia paraense, pois o polo de estrangulamento só mudou de geografia, a Vale continuará a bater todos os recordes de exportação na Amazônia nas minas de Carajás e Canaã dos Carajás, em particular na mina do projeto S11D, no sudeste paraense. É preciso em nome de algum projeto civilizatório futuro, contê-la. Os amazônidas e a sociedade de modo geral precisam conter o antropocentrismo da Vale SA!
Com os crimes técnicos científicos da Vale, há mudanças em curso no modelo mineral Brasileiro?
Não. A Vale representa um bloco de poder, no poder, ela independe das conjunturas políticas internas e os tecnocratas dentro e fora do país atuam de livre arbítrio. É impossível contê-la com leis nacionais, e até mesmo internacionais. Ela é uma mescla dessa difícil conjuntura política que estamos atravessando. Ela controla o imaginário social, e até parte da nossa democracia de baixa intensidade. Não tivemos chance pela intransigência da Vale de abrir uma CPI mista no Congresso Nacional para averiguar o crime de Brumadinho. É perceptível que houve um esvaziamento do debate parlamentar.
Mais é preciso insistir que mesmo a frágil lei nacional ganhe algum sentido nessa conjuntura e que recoloque a questão da justiça social e ambiental como protagonista.
A Vale SA. organiza o modelo de mineração no Brasil, portanto deve ser responsável pela ´imprevisibiidade´ que ele provoca.
E sobre perspectivas que se ajustam há esse tempo teremos que fazer lutas que pressupõem agendas dos anos 9o, sem querer reduzir as contradições do modelo de mineração, vejo que a lei Kandir é o calcanhar de Aquiles dessa atual fase da mineração e da Vale SA. É preciso desmontá-la urgentemente!
E ao mesmo tempo possamos refazer o nosso sistema de mineração, qual o modelo se adéqua a esse período, que reflita na sociedade, na natureza e na economia de outra forma, que não seja essa que podemos tomar como fracasso total.
Edição: Brasil de Fato