Tendo ingressado no Executivo sob o discurso de "atuação técnica", Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) é um dos ministros que mais recebe parlamentares em seu gabinete. Em menos de cinco meses de governo, se reuniu com 106 congressistas, a maior parte da chamada bancada da bala. O ex-magistrado só é superado por Onyx Lorenzoni (Casa Civil), responsável pela articulação política do governo Bolsonaro, alvo constante de críticas do Legislativo.
A iniciativa de Moro, identificada em levantamento do Estado de S. Paulo, modificou até mesmo a avaliação de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, em relação ao ministro. Os dois chegaram a trocar críticas públicas após Moro pedir aprovação rápida de seu pacote, que se desdobrou em três projetos de lei. Atualmente, Maia o elogia afirmando que “tem feito política” e por isso merece ser “visto de outra forma”.
Apesar do esforço, os três projetos de lei seguem em compasso de espera no Congresso. As propostas seguem sendo avaliadas por um grupo de trabalho que as discute. O que significa que ainda não passaram por nenhuma comissão formal da Câmara.
Para um projeto ser aprovado deve passar por uma série de comissões, inicialmente a de Constituição e Justiça, que analisa possíveis inconstitucionalidades. Antes de chegar ao Plenário, pode passar ainda por outros colegiados, exceto no caso de criação de uma comissão especial.
Um dos integrantes desse grupo de trabalho é o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que vocaliza as críticas da oposição ao pacote. Para ele, o foco na prisão como solução é insuficiente e equivocado.
“Ele não é um projeto de segurança pública, é um projeto penal. Isso já falei para o próprio Moro. A ideia de que a segurança pública começa e termina no sistema penal é um pouco perigosa”, afirmou em uma das reuniões.
Outros temas também são alvo de críticas, como a ampliação da possibilidade de aplicação do conceito de legítima defesa a agentes de segurança.
Nos bastidores do Congresso, diz-se que uma das condições para o pacote avançar é que Moro abra mão do trecho que trata da prisão em segunda instância. Como a discussão está no Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares ligados a Maia entendem que não faz sentido o Congresso debatê-la agora.
Crise
Na avaliação de parlamentares ouvidos pelo Brasil de Fato, Moro ainda não perdeu completamente a postura de integrante da Lava Jato, exigindo publicamente o avanço de seu projeto nas redes sociais – o ministro é um dos componentes do governo que mais usa o Twitter.
Já na opinião de outros, a iniciativa de Moro apenas tenta dar conta dos prejuízos de sua atuação passada, marcada pela elaboração do projeto sem o diálogo com amplos setores do Congresso e da sociedade civil. Além disso, é quase consenso que, apesar do esforço individual, o ministro também é vítima da falta de articulação geral do governo Bolsonaro.
A rusga entre Congresso e Planalto também afeta Moro de outras formas: o ministro pode perder a direção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Antes vinculado ao Ministério da Fazenda, o órgão foi para o Ministério de Justiça por meio de uma reforma administrativa de Bolsonaro, condição esta para ida de Moro ao governo. No entanto, parlamentares do chamado "centrão" defendem a volta da medida na reestruturação do governo. O Coaf é o órgão federal de inteligência financeira e responsável por prevenir crimes de lavagem de dinheiro.
As contradições de Moro com o próprio governo – recuo na nomeação de uma conselheira, ter sido opinião vencida no decreto das armas – também enfraquecem seu capital político junto aos congressistas. O último episódio, no qual Bolsonaro afirmou ter prometido uma vaga no Supremo para Moro, intensificou ainda mais a indisposição de partes do Congresso em relação ao ministro, que negou o acerto.
A inclusão da defesa de seu pacote como bandeira dos atos marcados para o próximo dia 26 de maio – contra o Congresso e o STF – também não é vista positivamente.
Parecer OAB
A OAB cobra ampliação no debate sobre o tema, devido à importância social e à repercussão jurídica de um projeto de lei que quer alterar o processo penal. O documento, aprovado por unanimidade no conselho federal da Ordem, contou com a contribuição de dezenas de estudiosos da área e reforçou que a proposta possui diversas inconstitucionalidades.
Além disso, a OAB quer derrubar pontos como a prisão em segunda instância e a prisão em primeira instância por homicídios dolosos após condenação pelo Tribunal do Júri. O parecer ainda se posiciona contra a ampliação do conceito de legítima defesa por policiais, o endurecimento de regras para progressão de regime, gravação de conversa entre advogado e cliente preso, além de outros pontos.
Ao receber o parecer, Maia defendeu a realização de ajustes em propostas submetidas ao Legislativo.
“É um momento em que vivemos transformações em todo o mundo e as relações se aproximam, mas, muitas vezes, os radicalismos se sobrepõem ao diálogo, principalmente nas redes sociais. O radical tem tido mais espaço do que aqueles que querem construir consensos”, afirmou Maia.
Em seguida, disse: “Nenhum projeto que chega ao Parlamento é perfeito ou não deve ser modificado, ampliado, ou às vezes rejeitado. Quem entende o contrário crê que somente uma parte da sociedade tem o direito de pensar e prover soluções para o país. Esse importante estudo da Ordem será encaminhado à comissão que estuda a matéria e certamente enriquecerá o debate”.
Edição: Aline Carrijo