Após Jair Bolsonaro (PSL) assinar decretos que flexibilizam o porte e a posse de armas no país, as ações da Taurus, fabricante brasileira de armas, estão em intensa movimentação. Apenas nos três primeiros meses de governo, a empresa registrou lucro líquido de R$ 92 milhões, aumento de 15,5% em comparação com o primeiro trimestre de 2018.
Apesar dos lucros resultantes do incentivo às armas feito pelo político do PSL, a fabricante é criticada constantemente por Bolsonaro e por seus filhos, que defendem a “quebra do monopólio” da Taurus no mercado brasileiro. Eles alegam que as armas fabricadas pela empresa com frequência apresentam defeitos que vitimam policiais e civis por disparos acidentais.
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A “reserva de mercado” da fabricante é garantida pelo regulamento do Exército para produtos controlados. O artigo 190 do chamado R-105 determina que “o produto controlado que estiver sendo fabricado no país, por indústria considerada de valor estratégico pelo Exército, terá a importação negada ou restringida”.
Existem ainda outras fabricantes de material bélico nacionais como a estatal Imbel, vinculada ao Ministério da Defesa, mas que apresentam uma produção muito menor em comparação a da Taurus.
A preferência para a produção nacional também foi reafirmada pela portaria 620/06 do Ministério da Defesa, que define que “a importação de produtos controlados poderá ser negada, quando existirem similares fabricados por indústria brasileira do setor de defesa”. A restrição à importação tem como justificativa proteger um setor estratégico para a soberania nacional.
Na avaliação de Larissa Rosevics, professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ), a abertura de mercado para importação de armas defendida do Bolsonaro pode enfraquecer a indústria de Defesa Nacional.
Com a ressalva de que o setor é amplo e envolve muito mais do que armamentos letais e não letais, como por exemplo aviação, vestuários e equipamentos, ela opina que, a partir da experiência de outras áreas, a abertura defendida pelo governo pode ser prejudicial.
“Na década de 90 muitos setores da economia não tiveram uma proteção e não conseguiram fazer frente à concorrência internacional, que tinham produtos com preços mais baixos, e as empresas acabam falindo. Um setor estratégico interessante para fazer paralelo é o setor de informática, um setor onde houve a tentativa de se criar mecanismos para que o setor se desenvolvesse, até porque é uma área extremamente importante. No entanto, houve abertura de mercado sem nenhum tipo de mecanismo que garantisse uma concorrência para a indústria nacional e tivemos a falência de várias empresas do setor”, explica Rosevics.
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O decreto de Bolsonaro, segundo a especialista, não faz nenhuma observação no sentido de impedir que o mesmo aconteça com a Defesa do país. Empresas estrangeiras como a austríaca Glock, CZ e Berreta já demonstraram disposição para comercializar armas de fogo, munições e outros equipamentos em território brasileiro.
“O governo não se preocupou em garantir à indústria nacional condições de igualdade e concorrência com empresas estrangeiras, pelo menos da maneira como está no decreto publicado. Não se criou nenhum tipo de restrição, cota, taxa ou porcentagem de conteúdo nacional. O que pode acontecer é que esse produto estrangeiro vai chegar ao Brasil com preço mais baixo e com uma qualidade superior ao nacional. Algumas restrições em relação a essas importações poderiam estimular o surgimento de empresas nacionais e desenvolvimento da indústria nacional”, critica a também pesquisadora do Observatório de Política Externa Brasileira da Universidade Federal do ABC, na área de comércio internacional.
Outros interesses
A defesa do clã Bolsonaro pela importação de armas busca atender interesses econômicos e políticos de países estrangeiros. É o que afirma, em off, um diplomata brasileiro em entrevista ao Brasil de Fato.
O especialista faz uma análise mais rigorosa em relação a abertura do mercado de armas. Para ele, o presidente é submisso ao “imperialismo internacional” e visa atender demandas de exportação dos Estados Unidos e de Israel.
“A atual política externa é contra os interesses do Brasil. Mais uma vez vamos demonstrar isso e vão nos enterrar mais ainda. Vamos importar um produto que temos condição de produzir. Um produto de valor agregado”, comenta.
Ele ressalta a importância estratégica do setor do Defesa para qualquer país e cita que os Estados Unidos tem seu desenvolvimento tecnológico impulsionado pela área. A internet e avanços da aviação civil americanas, por exemplo, são frutos de pesquisa no setor.
“Os países do norte se desenvolvem protegendo sua indústria e depois chutam a escada, não querem que os países do sul façam o mesmo”, acrescenta, em alusão ao livro “Chutando a escada”, do economista sul-coreano Ha-Joon Chang. A obra discorre sobre como potências mundiais impedem que países em desenvolvimento adotem políticas e instituições que eles próprios usaram para alcançar o crescimento.
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A fonte que atuou no Itamaraty acredita que o argumento dos Bolsonaros sobre a qualidade de armas da Taurus é apenas um pretexto que esconde outros interesses.
“Isso é só uma desculpa, uma cortina de fumaça. Até porque não estamos em guerra. A não ser que eles estejam planejando uma guerra interna. Para que essa qualidade de arma? Há algo de errado nesse argumento deles. É uma cortina de fumaça evidente para privilegiar a importação de armas porque certamente eles são representantes de lobbies externos. É pra isso que estão lá”.
A importação de armamentos é bandeira pessoal dos Bolsonaros. Até mesmo políticos da base aliada, como o senador Marcos do Val, mantém outro tipo de relação com a empresa. Como instrutor, o parlamentar tem um histórico de relacionamento com a fabricante de armas.
Em 2017, antes de se eleger para o Senado, criou junto à empresa o prêmio Heróis Reais, que escolheria as “melhores ocorrências” dos agentes de segurança pública. Do Val é conhecido por vídeos publicados na internet em que testa e elogia armas da Taurus.
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Totalmente contrário a posse e ao porte de armas, Celso Amorim, ex-ministro da Defesa, argumenta que, do ponto de visto do Estado, deve haver uma preferência à tecnologia brasileira.
“Eu sou contra facilitar o porte de armas e, se o objetivo de liberar a importação é baratear, eu sou mais contra ainda. Se é para o Estado brasileiro, estados federados, União, Exército, polícias federais ou Força Nacional, acho que o melhor é ter armas nacionais. Se a ideia é não fortalecer monopólio da Taurus, é o caso, talvez, de induzir outro investimento para criar a competição dentro do Brasil e não facilitar a importação”, sugere.
Segundo Amorim, não é possível fazer uma correlação direta entre a defesa da abertura comercial no setor de armas e a submissão irrestrita aos Estados Unidos e outras potências. No entanto, ele aponta que a subordinação ao governo estadunidense está explícita em muitas outras políticas do governo Bolsonaro.
“O alinhamento com os Estados Unidos está provado em mil outras coisas. Vende-se a Embraer, anuncia a abertura de um escritório em Jerusalém. Uma política totalmente subserviente à linha mais reacionária de Washington em relação a Venezuela. Se ameaça sair do acordo do Clima. Não entra no acordo de migrações. [A submissão] está mais do que provada”, fundamenta.
O ex-ministro relembra que, em visita ao país estadunidense, Bolsonaro fez questão de visitar a CIA, serviço de inteligência norte-americano.
“Não me recordo de nenhum chefe de Estado visitar a CIA. Não é só subserviência à bandeira americana, é subserviência ao serviço de inteligência norte americano que espionou o Brasil. É como se fossem agradecer: 'Olha, vocês espionaram a presidenta Dilma. Espionaram a Petrobras, a indústria nuclear. Vim aqui agradecer'. Se não é isso, parece. Em política, o simbolismo tem muito sentido”, conclui Celso Amorim.
Edição: Aline Carrijo